A Fronteira do Brasil (III): o Barão do Rio Branco e o Tratado de Petrópolis

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Esta coluna termina o assunto da definição de nossas fronteiras, iniciado duas colunas atrás, que recomendo que você leia antes de chegar a esta. O Barão do Rio Branco foi um diplomata notável, e você conhecerá aqui um pouco da sua pessoa e da sua obra.

A Fronteira do Brasil (III): o Barão do Rio Branco e o Tratado de Petrópolis

Há alguns traços em comum entre os diplomatas que definiram os limites do Brasil: Alexandre de Gusmão e o Barão do Rio Branco.

Apesar do título, Juca Paranhos também não dispunha de propriedades e sempre viveu de seu salário. Os dois eram grandes gastadores, tinham enorme capacidade de trabalho, nunca foram compreensivos com os adversários, eram vaidosos e centralizadores, tiveram doenças incapacitantes e eram os maiores conhecedores em seus tempos das fronteiras do país, dizem os biógrafos que com uma amplitude quase inacreditável.

Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco (1845-1912). Advogado, jornalista e político, foi o incansável e brilhante negociador de nossas fronteiras. Fundador do Itamaraty, onde residiu até a morte.

Mas, diferentemente de Gusmão, Paranhos foi advogado, jornalista e político, e depois diplomata por um quarto de século, vivendo entre Londres e Paris. Evidentemente, não havia essa liberdade profissional nos tempos de Gusmão. Assumiu o Ministério das Relações Exteriores em 1902, dirigindo-o até sua morte dez anos depois.

Também diferentemente de Gusmão, pertencia à aristocracia (era filho do Visconde do Rio Branco, que foi Ministro do Império), recebeu na maturidade o título de Barão e teve sua memória perpetuada pelo Itamaraty, instituição que comandou e modernizou. Rio Branco viveu durante a Monarquia, da qual era partidário, e a República, quando conviveu com quatro presidentes.

Dele se disse que teve duas vidas: a do jornalista de talento que se fez cônsul e a do cônsul que se transformou (…) no maior dos diplomatas contemporâneos. Tamanha foi a comoção com a morte deste herói nacional, uma semana logo antes do Carnaval, que os bailes a fantasia foram suspensos e a festa foi transferida para a Páscoa. Na realidade, os foliões só praticaram o luto por uma semana e o país teve naquele ano dois Carnavais.

Rapazes fantasiados de marujos no (primeiro) Carnaval de 1912, ano da morte de Rio Branco.

Comentei no capítulo anterior sobre o inovador Tratado de Madri, que resolveu de forma negociada uma enorme extensão territorial e deu ao Brasil a sua configuração atual.

Depois, no período em que Dom João VI esteve no Brasil, o país alcançou sua máxima dimensão, com as invasões da Guiana Francesa e da Banda Oriental do Uruguai, ambas depois devolvidas. Esses movimentos foram úteis para definir mais tarde nossa divisa com a Guiana e obter amplas fronteiras no Sul.

Um pesquisador que estudou nossas dez fronteiras concluiu que 51% dos limites vieram da Colônia, 17% do Império e 32% da República. Esses números são um tanto enganosos, pois muito do que se fez depois do Tratado de Madri foram adaptações ou correções a uma divisa já estabelecida.

Mas isto não foi necessariamente verdadeiro no caso da República – houve um extraordinário ganho territorial de talvez mais de 400 mil km². Como isto foi possível?

Este aumento de nosso território foi obtido rapidamente e de forma negociada. Correspondeu aos dez anos de atuação do Barão do Rio Branco à frente do Itamaraty, como nosso negociador nessas questões.

Rio Branco era um trabalhador compulsivo, mistura de geógrafo, pesquisador, advogado, lobista e historiador. Morava no próprio local de trabalho e seu escritório era caótico.

A estreia de Rio Branco nos assuntos de fronteira aconteceu no fim do século XIX na divisa entre a Argentina e o Brasil, no Paraná e Santa Catarina, envolvendo cerca de 30 mil km².

O acordo anteriormente feito foi rejeitado pelo Congresso. Chamado para a questão, Rio Branco reuniu uma impressionante argumentação que nos deu ganho total diante do árbitro Glover Cleveland, Presidente dos Estados Unidos.

Outro argumento enorme aconteceu na disputa com a França, que ambicionava o Amapá. Rejeitavam o limite do Rio Oiapoque com a Guiana, propondo no seu lugar o Rio Araguari, algo como 450 km ao sul, o que diminuiria 260 mil km² de nosso território.

Nem sempre esta disputa foi pacífica, tendo havido invasões armadas recíprocas. Foi o Barão do Rio Branco quem convenceu em 1900 o árbitro suíço, o presidente Walter Hauser, num esforço de praticamente um homem só contra uma legião de especialistas estrangeiros.

Mas nem tudo o Brasil ganhou. Na questão contra a Inglaterra na Guiana Inglesa, o Rei da Itália Vitor Emanuel decidiu em 1904 que 60% da área contestada de 33 mil km² caberia aos ingleses.

O argumento destes foi a posse efetiva e soberania sobre a região, talvez o mesmo princípio acordado séculos atrás pelo Tratado de Madri. Sabe-se que Vitor Emanuel antipatizava com os povos dos trópicos e achava os mapas brasileiros mentirosos (lembra-se do Mapa das Cortes?).  Entretanto, quem nos defendeu foi Joaquim Nabuco e não Rio Branco.

A negociação do Acre foi a questão mais complexa de nossa fronteira, porque a rigor o território não nos pertencia, e sim à Bolívia e talvez ao Peru. Sua resolução teve de aguardar por seis anos o consentimento deste último.

Os brasileiros que entretanto lá trabalhavam extraindo o látex das seringueiras nativas proclamaram a República do Acre. Mas ela acabou sendo militarmente dissolvida, inclusive com o apoio do Brasil.

O Tratado de Petrópolis permitiu ao Brasil adquirir o Acre da Bolívia, depois de outra negociação com o Peru.

Entretanto, a Bolívia assinou em seguida um contrato de arrendamento do Acre com um sindicato de capitalistas ingleses e norte-americanos, que  assumiria total controle sobre a região. O Brasil considerou o Bolivian Syndicate intolerável. Depois de confrontos armados, Rio Branco conseguiu negociar o Tratado de Petrópolis de 1903.

Neste caso, tratou-se da compra do Acre, equivalente a 152 mil km² – outras fontes citam o ganho de 187 mil km².  O Brasil pagou dois milhões de libras (algo como US$ 400 milhões atuais), mais o compromisso de construir a ferrovia Madeira-Mamoré. Existe o boato de que também cedeu um primoroso cavalo ao presidente José Manuel Pando.

A função desta ferrovia histórica era escoar a produção boliviana pelo Atlântico – porém só ficou pronta após término do Ciclo da Borracha. Ela funcionou até 1972, tendo sido substituída (para honrar o acordo) por duas rodovias. Cheguei a conhecer seu trecho inicial.

A questão entretanto não foi tão simples, pois parte do território do Acre era também disputada pelo Peru. A questão entre os dois países foi naquela época submetida ao arbítrio da Argentina, que não se pronunciou a favor de nenhum deles.

Isto permitiu a Rio Branco negociar em seguida com o Peru, com o qual foi finalmente assinado em 1909 o Tratado do Rio de Janeiro. Essa questão dificílima (confesso que nunca entendi completamente a sua cartografia) foi definitiva e brilhantemente resolvida.

É impressionante a atividade diplomática desta época. Embora o Brasil não fizesse divisa com o Equador, Rio Branco prudentemente negociou em 1904 um acordo, caso a disputa deste país com o Peru resultasse numa fronteira conosco.

Demarcou com a Venezuela no ano seguinte um trecho de território que não havia sido definido com a participação do país vizinho. E estabeleceu com a Colômbia em 1907 divisas nos rios amazônicos e seus direitos de navegação.

Situação do Brasil na República (fim do século XIX).

Configuração atual do Brasil.

Mas queria terminar com uma decisão notável do governo brasileiro. O Uruguai tinha uma fronteira seca conosco, pois nunca teve garantidos os direitos de navegação na sua divisa com o Rio Jaguarão e a Lagoa Mirim.

Rio Branco cedeu gratuitamente em 1909 a soberania uruguaia até a linha mediana dessas águas. Esse cessão generosa não foi apenas um ato de justiça, mas também de busca de prestígio internacional, exibindo o Brasil como um país ordeiro e civilizado.

A gestão de Rio Branco não se resumiu aos acordos de fronteira. Ele estabeleceu as diretrizes para a nossa política do exterior, que perduraram por quase um século. Estas envolveram o panamericanismo com adesão à Doutrina Monroe, a não intromissão nos assuntos dos outros países, o respeito aos governos constitucionais e o pacifismo, com preferência pelos acordos diplomáticos, que alguns chamavam ironicamente de soft power.

Uma última medida importante foi a aproximação com os Estados Unidos, apesar da longa vivência anterior do Barão na Europa. Rio Branco reconheceu a grande presença norte-americana, contrapondo-a à influência europeia. Foi o primeiro a criar uma embaixada naquele país, indicando Joaquim Nabuco como nosso representante.

A imagem do Brasil que Rio Branco quis mostrar ao mundo era a de um país pacífico, moderno e civilizado. Entretanto, o motim da Revolta da Chibata (contra castigos aos marujos mulatos e negros) e o Bombardeio de Salvador (causado por disputas políticas dentro de um sistema eleitoral viciado) mostraram o atraso do país.

O Palácio do Itamaraty, construído em estilo neoclássico em 1855 pelo Conde de mesmo nome, abrigou o MRE até sua transferência para Brasília – lá estão os bustos em pedra sabão de Gusmão e Rio Branco.

O Brasil era ainda uma nação rural, racista e politicamente corrupta, era oligárquico, ignorante e culturalmente defasado. Menos de duas décadas depois da morte de Rio Branco, a República Velha sucumbiria à ditadura do Estado Novo de Vargas. Acho que o Barão teria considerado estranho o país que emergiu dele.

Mas penso também que não era só o país que rumava num outro sentido. Essa vida de amizades íntimas e familiares, de jantares glutões regados a licores e charutos, de grandes gestos baseados no orgulho pessoal e motivados pelo sentimento de honra, de apreciação pela história e discussão intelectual, de cultura, estilo, respeito e classe social – esse que suspeito era o mundo do Barão, também estava então deixando de existir.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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