A Pedra do Bispo

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Em março de 2015 publiquei minha primeira coluna no Alta Montanha. Neste março passado, sete anos depois, terminei uma série de quinze artigos relacionados com os animais, em especial sobre as atrocidades sofridas e o movimento para sua defesa. Retorno agora, na coluna de exato número 200, aos relatos sobre montanhas.

Sempre que passava pela rodovia que desce de Rio Claro para Angra dos Reis, ficava admirando à minha direita o desenho imponente da Pedra do Bispo. Muitas vezes imaginei quando poderia tentar o seu cume. Tanto a trilha como o visual da Pedra do Bispo superaram as minhas expectativas, como você verá a seguir.

É bem fácil chegar a Rio Claro, pois é cortada pelo asfalto que desce para Angra dos Reis, partindo de Barra Mansa na Via Dutra. Note que não é a cidade bem maior de Rio Claro em São Paulo, e sim a do Rio de Janeiro.

Como ocorre com as cidades na encosta do Vale, Rio Claro foi fundada no século XVII, como resultado do tráfego gerado pela mineração – o ouro descendo para o litoral e os mantimentos subindo para o interior.

No século seguinte, teve seu apogeu com o ciclo do café, quando as terras do Vale eram as mais produtivas e cobiçadas do país. A partir do século XX, junto com as vilas em situação semelhante a meio caminho do Vale do Paraíba, entrou num estado de dormência.

Vista de Rio Claro, uma vila de 20 mil habitantes, cercada pela Mantiqueira e pela Mata Atlântica (Fonte – Divulgação).

Mas a história desta região começou na verdade com São João Marcos, que foi a primeira das vilas, anterior a Rio Claro e sua vizinha Lídice. Foi lá que se estabeleceu o maior cafeicultor da época, o Comendador Breves.

Era dono da Fazenda da Grama e suas propriedades iam de Mangaratiba a Piraí – se não tiver desabado, você pode visitar a linda capela da fazenda, um crime que não tenha sido conservada. Mesmo com a migração do café para as terras paulistas, São João Marcos continuou como uma vila de porte médio, até seu fim lamentável.

Vou recontar uma história que já saiu em um de meus livros. Nos inícios do século XX, a cidade do Rio sofria de um mau abastecimento de água. Para resolvê-lo, foi projetado o represamento do Ribeirão das Lajes, de águas mais limpas que as do Paraíba. Elas deveriam subir 4 metros, mas o Governo optou por uma altura 12 metros acima.

Com este novo nível, São João foi inundada, pois ficava em um vale fundo e próximo – você ainda pode enxergá-lo à sua esquerda, a meio caminho entre Rio Claro no planalto e Mangaratiba no litoral.

A população começou a abandonar a cidade e as casas, a serem demolidas. Porém, quando o lago se formou, as águas chegaram apenas a metros da cidade: ela foi destruída desnecessariamente, por um estúpido erro de cálculo.

Maquete de São João Marcos, a vila inutilmente inundada. Veja seu precioso traçado radial. Sua população se mudou principalmente para Mangaratiba (Fonte – Divulgação).

São João Marcos era uma cidade formosa, uma espécie de Paraty rural, pequena e graciosa no seu formato radial, como pode ser verificado pelas fotos antigas e pelas atuais escavações.

Ao longo dos anos, cresceu no seu solo um surpreendente bosque de suenãs. Suas altas copas de flores vermelhas hoje sombreiam os remanescentes dessa cidade tão tristemente extinta. Vá visitá-la, lá um pequeno museu conta sua história.

Mas não demore, lá vive uma bela e mansa cachorra. Se você aprecia animais, ela irá reconhecê-lo e caminhar feliz a seu lado. Exceto quando você atingir as ruínas – ela não avançará mais, respeitando o passado infeliz.

Existem também vestígios da antiga estrada imperial, que escoava a produção desta vila através do porto de Mangaratiba e dele trazia a mão de obra dos escravos. Foi uma das primeiras estradas de rodagem do Brasil. Nas proximidades, está a Ponte Bela, que sobreviveu à ação do tempo, apesar de parcialmente submersa.

Não conheço uma explicação satisfatória para o nome dado à Pedra do Bispo. Dizem que lá foi um dia rezada uma missa, mas desconfio que não haveria um padre tão jovem e atlético, nem muitos fiéis dispostos a tão árdua subida.

A mim parece que, como na realidade são duas as pedras, uma ao lado da outra e ambas pontiagudas, seu formato conjunto lembra o de uma mitra, ou seja, o chapéu usado pelos bispos.

Vista da aproximação da Pedra do Bispo. Esta foto foi tirada pelo saudoso Fragoso Aventureiro, que a guiava com frequência (Fonte – Aventureiro).

Apesar de seu aspecto impressionante, é relativamente fácil subi-la. Sua parede está muito próxima da cidade, desta forma criando uma impressão de ser inacessível devido à sua acentuada verticalidade.

Para chegar lá, você deve seguir por uma precária estrada de terra, que vai piorando à medida que sobe. O seu trecho final é uma rampa que exigirá um veículo com tração. Mas ela logo termina numa porteira, onde a trilha começa.

O caminho é bem definido, seguindo sem bifurcações numa rampa em geral aberta, com uma ampla visão dos vales abaixo e uma interessante mudança de vegetação. A partir de um colo na serra logo após uma segunda porteira, chegará por fim a um campo elevado, onde você subirá até o cume.

Visual da Pedra do Bispo, durante a rampa de aproximação, Rio Claro, RJ.

Lá existe um cruzeiro, mas soube que existem planos de se instalar uma segunda cruz – espero que não tão feia como a primeira. Nosso GPS indicou a altitude de 1.300 metros, embora haja menção a 1.400 metros.

É uma trilha curta e íngreme, com um aclive pouco comum acima de 15%, quase sempre com a poderosa visão da pedra bem acima de você. Mas não é uma subida tão árdua – a maior dificuldade vem depois, quando você contar as mordidas de carrapato.

O panorama do cume é muito interessante, com os amplos campos montanhosos à sua frente, fechados pela distante Serra do Piloto. O Sertão do Sinfrônio estará à sua direita e, logo a seguir, a imensidão da Serra da Bocaina, com o peculiar desenho da Pedra do Frade ao sul. Na direção oposta, existe a parede da outra pedra ao lado, que forma com a do Bispo este belo conjunto.

Casal de mochileiros contemplando o nascer do sol na Pedra do Bispo de Rio Claro, RJ (Fonte – Divulgação).

O Bispo é um programa ótimo, mas você está numa região repleta de outros. Você pode até mesmo ensaiar a pedra irmã do Bispo, ou as muitas outras de Rio Claro e Lídice.

Veja que está vizinho ao PE de Cunhambebe, onde os atrativos (nem sempre fáceis) são variados: mirantes, poços, trilhas, cachoeiras. E, lá embaixo, estão lhe aguardando no azul do mar a Baía de Angra, as praias de Mangaratiba e o Saco do Mamanguá.

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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