Texto: Maximo Kausch
Cansei de ir a montanhas e descobrir que aquele verão ou inverno é o mais frio ou quente de tantas dezenas ou centenas de anos. Além disso, muitos fenômenos que parecem estar isolados estão ocorrendo nos últimos anos pela primeira vez, em centenas de anos. Lendo um pouco, descobri que na verdade, aquela história da geração futura, já vem afetando as montanhas bem antes de eu ter nascido (em 81).
Não é preciso procurar muito. Todo mundo que escala, ou já esteve em montanhas, conhece alguma história de fenômenos climáticos atípicos. Eu mesmo testemunhei vários:
– chuva no deserto do Atacama em 2001. O aquecimento das águas do pacífico permitiu chuver no deserto mais seco do mundo!
– a queda da chaminé Whymper no Matterhorn em 2003. O permafrost derreteu pela primeira vez desde a última era glaciar
– glaciares andinos observados entre 2000 e 2004. Comparações entre as fotos dos dois anos tornaram evidentes as grandes mudanças
– atraso da chegada monção ao Himalaya pela primeira vez em 50 anos em 2005
Glaciares se formam em lugares onde o acúmulo de neve no inverno é maior do que o derretimento no verão. Seu tamanho, forma e espessura, vão depender da sua altitude e latitude onde estão localizados. Não só os escaladores devem se preocupar com glaciares pois 2/3 da água doce no planeta está armazenado em glaciares.
Seja por excesso de calor no verão, ou mesmo falta de neve no inverno, milhões de glaciares na terra estão em processo de derretimento durante o último século. Eis alguns exemplos:

Vista do Glaciar Upsala, Argentina

Glaciar Portage no Alaska, EUA

em 1870…
…em 1932…
…e em 1998
O mesmo ângulo de um glaciar suíço em 1982 e em 2002. A placa indica onde a língua glaciária alcançava em 1970.
O glaciar Pasterze na Áustria em 1875 e em 2004
Diferenças na espessura glaciária do Tronador, Argentina entre 1968 e 2003
Mt Hood, EUA, entre 1984 e 2002
O Kilimanjaro, na Tanzânia, em 1993, 2000 e 2004
O Rincón, Argentina em 2000 e 2004 fotografados na mesma época. Repare nas diferenças assinaladas
O Sajama, Bolivia em 2002 e 2007
Os Payachatas, Boliva em 2002 e 2007
O Illimani na Bolivia visto desde o acampamento alto em
O mesmo ângulo em 2005. Há uma grande diferença na profunidade da geleira de circo, tamanho das cornisas e espessura nos manchões de neve



Fenômenos climáticos atípicos sempre aconteceram durante história humana, mas não com tanta freqüência. Há pessoas que digam que a culpa é do homem, outros dizem que é culpa de um ciclo natural terrestre.
Ninguém ainda conseguiu provar qual das versões é a correta. No entanto, é provado que a terra já passou por mudanças climáticas graves quando já existiam humanos e essa não foi a primeira vez. Para explicar isso, seria melhor pedir a ajuda de um geógrafo, que pudesse entrar melhor em detalhes. Coincidentemente, Pedro Hauck é geógrafo:
Texto: Pedro Hauck
Apesar de ausente no Brasil, o gelo é um agente geológico e geomorfológico muito importante, pois 10% do total da superfície terrestre é recoberta por gelo, ou seja, por volta de 15 milhões de quilômetros quadrados são geleiras no mundo. No passado, o gelo ocupava uma área três vezes maior que a de hoje, isto porque o planeta terra esteve por diversas vezes sob o efeito de glaciações. Veja como era a terra há 21 mil anos atrás:
Argumento Geofísico: Estes procuram explicar as grandes glaciações na suposição da mudança na posição dos continentes. Segundo esta teoria, os continentes formavam até o fim do Paleozóico uma única massa, situando-se o pólo sul próximo ao extremo meridional deste continente. Isto explica a existência de rochas sedimentares originadas em ambientes glaciais no sul da América do Sul, África, Índia e Austrália. Entretanto estes materiais citados, como por exemplo, o Varvito e rochas Moutoneé de Itu (SP), são de idades muito antigas, assim esta teoria não explica a glaciação pleistocênica, por exemplo.
Argumentos Astronômicos: Este referem-se às variações no movimento da Terra em relação ao Sol. Entretanto, se apenas este argumento estivesse correto, os períodos glaciais deveriam ser simétricos, pois o movimento da terra é uniforme e sincrônico e a geologia comprova que as glaciações não apresentaram uma periodicidade.
Argumentos cósmicos: Estes explicam que nosso sistema planetário atravessa regiões frias em sua caminhada celeste. Outros admitem a existência de nuvens cósmicas ocasionais que dispensariam os raios solares, determinando com isto a queda na temperatura.
A última grande glaciação, a de Würm-Wisconsin, ocorreu no final do período Pleistoceno para o início do Quaternário, ou seja, entre 18.000 a 10.000 anos. Neste período, a temperatura da terra foi muito mais fria que a atual. De lá para cá, a temperatura oscilou até 5.000 anos, esteve mais ou menos estável até aproximadamente 1.000 anos atrás, quando ela caiu, havendo na idade média uma pequena idade do gelo. De lá para cá, a temperatura subiu e hoje vivemos um período de aquecimento global:


Um dos argumentos mais aceitos para explicar o aumento das temperaturas globais é o efeito estufa. Este fenômeno teria como origem a destruição da camada de ozônio pela emissão de gases poluentes, como o gás carbônico resultado da queima de combustíveis fósseis. As geleiras são um registro natural do aumento destes gases na atmosfera. Quando há precipitação de neve e acumulação dela nas montanhas, é também acumulado o material em suspensão presente na atmosfera. Observou-se no gelo perfurado na Antártida que o carbono aumentava drásticamente a partir do período da revolução industrial, portanto deixa claro a influência do homem na mudança atmosférica global, e isto é uma prova sólida à favor deste argumento.
Entretanto, também há quem acredite que o aumento de temperatura é algo inevitável, pois o planeta Terra estaria em um período interglacial, ou seja, um período entre duas glaciações, com temperaturas mais elevadas. Esta teoria tem sustentado a continuidade da emissão de gás carbônico na atmosfera, argumentando uma não necessidade de reduzir a poluição planetária e assim uma não desaceleração das atividades industriais e consumistas que alimentam a economia de países ricos e poderosos, como os Estados Unidos que se negam em assinar o protocolo de Kioto e assim reduzir sua produção de gases poluentes.
Enquanto ainda não existe uma explicação para a origem do aquecimento global e também não há um esforço para se provar empiricamente a teoria do efeito estufa, vivemos a situação do degelo, que em algumas montanhas é muito evidente. O caso mais famoso e noticiado de recuo de gelo em montanha é o do Kilimanjaro, a montanha mais alta da África. Entretanto isto não se limita apenas às montanhas de baixas latitudes, sendo também visíveis em montanhas mais próximas aos pólos.

Como exemplo deste acontecimento, pudemos acompanhar um caso interessante de mudança de comportamento de gelo em período curto de tempo, apenas três anos em uma geleira de penhasco situada no Cerro Rincón, no oeste da Argentina. Como observado na foto, nota-se uma acentuada diminuição da presença dos nevés na porção superior da montanha, além de um aumento de detritos oriundos de avalanches sobre o gelo nas porções inferiores. O que a foto não diz é que no ano anterior à fotografia o inverno foi pouco rigoroso, assim como os anteriores. Isto contribuiu com a baixa acumulação de neve. O verão também foi atípico, havendo uma média de temperaturas mais elevadas e maior derretimento que na baixada resultou em aumento do nível dos rios com destruição de pontes e margens.
Esta situação tem-se tornado comum na Argentina e ao longo da cordilheira dos Andes. Desta forma, com um permafrost mais suave, acentua o desmoronamento das rochas das vertentes das montanhas, contribuindo com o aumento de detritos sobre o gelo, como pode ser visto na fotografia. Para os escaladores isto significa perigo, pois há aumento de avalanches, principalmente de rochas. Outra observação que pode servir para mostrar a pouca acumulação e acentuada ablação é o nítido aumento do bergschrund da montanha verificado na foto.
Esta ilustração mostra apenas um pouco dos efeitos das mudanças ambientais que estão ocorrendo no mundo. É evidente que o homem tem sua culpa neste fenômeno, pois desde que existe civilização transformamos a natureza para favorecer nossa existência. Porém, estas alterações, que durante séculos favoreceram o homem das adversidades naturais têm agora posto em cheque nossa lutada existência. Enfrentamos um grande dilema que é proteger nossa economia ou proteger nossa natureza, uma escolha que sem ter a certeza das causas pode levar para um econômicos ou ecologismo suicida. A experiência tem mostrado que a primeira opção é a que tem prevalecido.