Esta é a quarta vez que venho escalar na Bolívia. A primeira foi realizada muito precariamente em 2001, uma trip longa em que acabamos indo para Machu Pichu no Peru e que na volta, meu parceiro Maximo Kausch, acabou indo parar no Atacama, numa das maiores aventuras que eu já ouvi falar…
Na segunda vez que vim para a Bolívia, em 2002, eu quase me dei mal no Huayna Potosi, peguei uma baita tempestade no ataque ao cume do Illimani e fugindo da tormenta chegamos a pegar neve em La Paz. Acabamos por escalar o Pomerape, uma montanha técnica para nós na época, subindo por uma lado e descendo por outro… (Quase morri desidratado da volta pra Vila Sajama) e em seguida fomos para o Salar de Uyuni e Argentina passando por La Quiaca e regressando ao Brasil por Foz.
Na terceira vez, eu fui parar na Bolívia depois de cruzar o norte da Argentina e o Atacama chileno, saindo do Pacífico em Arica e subindo toda a cordilheira até Villa Sajama e logo La Paz, para retornar à Argentina depois de cruzar todo o Sul do altiplano boliviano, atravessando os Departamentos de Oruro e Potosi com o Corsa de meu amigo carioca Marcio Carrilho. Nesta viagem escalei o Parinacota, tentei o Sajama, fiz o Pequeño Alpamayo e o Huyana Potosi de 12 horas desde a base até o cume e de volta à base novamente, num verdadeiro bate volta de fim de semana paceño.
Desta vez estou acompanhado de Hilton Benke e do Maximo novamente, após mais de três anos longe dele em montanhas. Não fizemos aquela volta enorme via Argentina e Chile, o único caminho asfaltado entre o Brasil e a Bolívia. Fomos pelo tradicional rota dos mochileiros que se destinam a Machu Pichu, atravessando o Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul, chegando a Bolívia por Puerto Suarez, no Departamento de Santa Cruz.
Estamos em pleno 2009 e até hoje o caminho entre a cidade mais rica da Bolívia e o Brasil ainda é de terra (uns 30% do total da estrada!) Apesar do atraso, isso é uma graaande avanço, pois pelo menos o trecho asfalto é excelente e pelo ver das obras, em breve teremos todo o caminho em asfalto, ou melhor, em concreto.
O trecho entre a fronteira do Brasil e Santa Cruz de la Sierra é um nada demográfico. Há apenas duas cidades minúsculas e super precárias. Não há postos de gasolina e ficamos com muito medo de ficar no meio do nada sem combustível. Ao chegar na capital “Camba”, as coisas mudam muito. O acesso desde onde viemos é bem precário, periferia braba, muita sujeira nas ruas, caos urbano… Logo deixamos esta região e começamos a entrar no centro da cidade, muito diferente. Edíficos modernos, ruas limpas, organização… Estes são os dois mundos diferentes de um dos países mais desiguais do mundo.
A saída para Cochabamba se dá pela estrada que leva ao aeroporto. Diferente da entrada de Paillón (de onde viemos), lá é bem mais arrumado, não há trânsito caótico. Rapidamente pela autopista chegamos em Monteiro e logo outras cidades que formam a única rede de cidades da Bolívia. Lá é a região mais rica do país. Pudemos observar famílias de classe média almoçando nos restaurantes, passeando pelas ruas. É um mundo distinto da Bolívia, a região “Camba”, constituída por descendentes de espanhól e índios guaranis, é região mais produtiva do país, com muitas plantações grandes, indústrias do petróleo e muito dinheiro.
Optamos ir para Cochamba pela estrada nova, aliás, estamos de carro e não queríamos ter que enfrentar estradas precárias e ficar no meio do caminho. Esta estrada nova vai paralela à pré-cordilheira, sem ganhar nada de altitude por centenas de quilômetros, atravessando os rios gigantes que descem da grande cordilheira e só subindo um vale para ganhar altura a partir da cidade de Vila Tunari.
Ali a paisagem ainda é verde, com muita floresta de baixa altitude, umidade, rios e muito movimento na estrada, com carros e caminhões, um sinal de que há circulação de pessoas e mercadorias entre as Bolívias (região Camba, baixa e Kolla, alta).
Em 2001 eu andei por todo o país. Nesta época encontrei uma Bolívia muito precária. Nas estradas via poucos caminhões, nenhum carro particular e alguns ônibus velhos (pelos quais me transportava) indo de uma cidade à outra. Naquela época, as cidades bolivianas eram quase Cidades Estado, as vias de circulação eram tão precárias que tudo tinha que ser produzido perto para ser consumido lá mesmo. Como a classe média era muito pequena, não haviam veículos particulares nas estradas, era um mundo muito diferente… Cheguei a demorar dias para sair de La Paz e chegar à Potosi por conta da precariedade da infra-estrutura do país.
Hoje estas estradas estão ou asfaltadas ou em asfaltamento. Vemos muita gente com seu próprio veículo viajando, quem dirige não é apenas aquela minoria branca, vejo muitos índios, usando roupas normais dirigindo carrões importados, não que eles sejam ricos, mas aqui é possível comprar uma caminhonete 4×4 usada e trazida do Japão por apenas 5 mil dólares!
Fiquei muito surpreso quando cheguei em Cochabamba. Há oito anos atrás a cidade era muito suja, hoje há pouco lixo no centro que está muito mais organizado também. Claro que ainda há aqueles lugares com feiras nas ruas que dá todo o toque pitoresco da Bolívia, entretanto é sensível a melhora da qualidade de vida da população.
Há oito anos atrás as condições de higiene eram tão ruins, que Maximo teve Tifo comendo em Cochabamba. Hoje ainda é possível ter alguns problemas, primeiro porque a comida aqui tem muita fritura, depois porque a altitude faz, no começo, que sua digestão não seja otimizada, resultando na famosa “diarréia de gringo” e depois porque ainda há a diferença entre comida limpa e suja, não dá pra comer em qualquer lugar!
Aqui na capital os bolivianos comemoram os 200 anos da independência da Espanha. Muito tempo se passou e a Bolívia ainda continua dependente e atrasado, mas com progressos. Nas cidades daqui se vê muito o contraste entre o moderno e o tradicional. Jovens andando com calça jeans, óculos escuro e tênis da moda ao lado de suas mães com roupas indígenas. Há shoppings e supermercados, e também feiras com produtos fresquinhos da roça, o que inclui aí carnes, com animas que são abatidos de manhã nas ruas e logo mais tarde são comercializadas sem o menor higiêne.
No interior não há esse contraste, tudo é muito pitoresco, se não fosse pelas estradas modernas, pareceria que estamos viajando no tempo, pois nem eletricidade há na maioria das localidades.
A Bolívia é um país muito interessante, cada vez que venho aqui aprendo mais. As vezes tenho raiva por me sentir um ocidental no meio de um lugar não ocidental e também pelo sofrimento que a falta de estrutura pode te oferecer. Resumindo, é um lugar para todos conhecer, mas pela experiência adianto, é uma grande aventura sempre! Seja como vc vier, de avião, de carro, de ônibus e de Trem da Morte. Você sempre vai passar um perrengue, vai ter uma diarréia e grandes experiências de vida. Quando tudo está mal, dá aquela angústia e vontade de voltar, quando está bem, aí você terá histórias para contar para seus netos…