Escalando as quatro montanhas mais altas da Bolívia – Ancohuma

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Depois de termos resolvido nossos problemas de saúde e já com o cume das duas montanhas mais altas do país no bolso, Sajama e Illimani, fomos para Sorata, norte da Cordilheira Real, para escalar a terceira e a quarta montanha mais alta do projeto.

O Ancohuma e o Illampu é a terceira e a quarta montanha mais altas da Bolívia, mas isso não significa que sejam mais fáceis que as mais altas, muito pelo contrário…

Uma das maiores dificuldades que encontramos nestas montanhas foi a falta de informações ou as desinformações que tivemos para escalar estas montanhas. Na Bolívia é muito difícil conseguir saber como faz para chegar nas trilhas que dão acesso às montanhas. Impressionante como ninguém sabe, ou finge não saber ou pior, quando te dão informações erradas.

Eu já sofri muito com isso. Sempre quando perguntamos pra algum boliviano onde fica tal lugar, a resposta é básica: _ahycitos no más (algo como é logo ali em bolivianês!). Depois de ter passado muita raiva e ter me perdido um monte de vezes por causa do ahycitos, eu fui compreender, interpretando as teorias do Piaget e do Vygotsky, que a carência e a rusticidade em que vive aquele povo humilde é o culpado pela dificuldade que eles têm em se comunicar e conseguir abstrair o que é o lado direito e o esquerdo, tudo isso tendo que “traduzir” para o espanhol, já que eles falam o aymará no dia a dia.

Pra evitar o ahycitos e ganhar mais tempo na aproximação do Ancohuma, decidimos contratar uma mula para carregar nossas mochilas até a Laguna Chillata, onde normalmente as expedições passam a primeira noite na montanha e de lá, no mesmo dia, ir até a Laguna Glaciar, que fica a 5000 metros de altitude.

Encontramos nosso muleiro na casa de guias de Sorata e o levamos em nosso Ecosport até o local mais distante que tem uma trilha para o Ancohuma, um vilarejo indígena chamado Kollani, onde pagamos para um senhor guardar nosso carro. Ali o muleiro carregou o animal e começamos a caminhada, cerca de três horas e meia até Laguna Chillata.

Chegamos na Laguna na hora do almoço, mas não paramos para comer nada, pois estávamos com pressa de continuar o caminho. Máximo tinha uma dor estranha no estômago, mas mesmo assim não paramos e mil metros mais acima e algumas horas depois, chegamos na Laguna Glaciar a tempo de ver o pôr do sol refletindo raios vermelhos de luz na encosta gelada do Illampu, já que dali não é possível ver o Ancohuma.

No dia seguinte, começamos a caminhar com um certo atraso, mas pelo menos Maximo já não tinha dores abdominais. A Laguna Glaciar é o limite onde chegam as pessoas na montanha e dali pra frente já não havia mais trilha.

Laguna Glaciar.

Seguimos por um caminho óbvio que segue um vale coalhado por morainas, de difícil progressão. Ao chegar na cota dos 5400 metros, deixamos o vale rochoso de lado e entramos no glaciar. Já era mais de 12 horas e haviam rios que se formavam sobre o gelo devido ao descongelamento.

O glaciar era um labirinto, mas fomos subindo com perícia, até atravessar um campo de gretas e chegar em um local levemente inclinado onde poderia ser possível pousar um avião como aqueles de Talkeetna. Estávamos a 5700 metros e pela primeira vez podíamos ver a pirâmide do cume, a menos de 700 metros verticais dali e que durante toda a aproximação ficou escondida atrás de outro cume.

Montamos nosso acampamento de deixamos tudo pronto para o ataque ao cume do dia seguinte.

Acordei cedo, às 3 da manhã, com o despertador do relógio tocando. Ao abrir a barraca tive uma grande decepção: O tempo, que estava impecável nos dias anteriores, estava agora totalmente encoberto!

Passamos o dia inteiro sem fazer nada e com raiva pela má sorte. No fim da tarde o tempo melhorou e fomos dormir esperançosos e com o um céu estrelado, entretanto ao acordar no dia seguinte, a mesma coisa aconteceu, só que não podíamos mais esperar, já que nosso gás e comida estavam acabando.

Acampamento base do Ancohuma

Já planejando como seria a volta, nos encorajamos a sair para o cume mesmo com tempo ruim, lembrando que o tempo tinha melhorado no fim da tarde do dia anterior e assim saímos às 9 da manhã rumo ao invisível e encoberto cume.

Atravessamos gretas e andamos às cegas pelo terreno hostil, tendo apenas como referência as pequenas aberturas de tempo que nos permitia ver o caminho que se fechava em seguida, até chegar na base de uma parede que leva perto do cume.

Novamente a desinformação gerada pelos bolivianos nos pôs em situação de risco, pois na Casa de Guias de Sorata, nos falaram que a montanha era um trekking summit: mentira! Esta encosta apresenta uma inclinação de até 60 graus em um gelo ruim. Como achamos que não íamos enfrentar nenhuma dificuldade, acabamos por não levar o par de piquetas técnicas e acabamos por nos arriscar muito nesta escalada, era cair e morrer!

chegando ao cume do Ancohuma.

Indo pro cume do Ancohuma

Muitas vezes fiquei com o coração na boca de tanto medo, Foi uma sensação terrível escalar aquela parede. Ao chegar no fim dela, enfrentamos um filo tão estreito que era difícil ficar em pé. Passamos por este filo com muita dificuldade para depois engatar em uma subida mais fácil e finalmente chegar no cume do Ancohuma sem ter nenhuma visão do entorno e mal conseguir enxergar um ao outro.

Descemos com muita precaução o filo e a parede de gelo, mas nossos problemas não pararam por aí, pois tivemos que atravessar o trecho gretado com as fendas totalmente ocultas pela neve que não parava de cair e que inclusive havia apagado totalmente nossas pegadas da ida, deixando nos totalmente dependentes do GPS para nos guiar.

Chegamos no acampamento às 4 da tarde e fomos dormir sem comer nada, já que não havia outra opção… Acordei no dia seguinte, já preparado para descer e ao sair da barraca me deparo com um céu totalmente aberto e um tempo perfeito para fazer cume.

O Aconhuma foi uma montanha muito peculiar, vi ela apenas algumas horas na ida e na volta, depois de ter chegar ao topo sem nenhuma visão. Foi uma escalada acompanhada pelo ingrato Murphy.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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