Escalando na Serra Gaúcha: Pico da Canastra

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Em minha última viagem ao Sul do país e Uruguai, pude conhecer diversos locais de qualidade para a prática de escalada em rocha. Dentre deles, destaco este morro, com vias que misturam estilo tradicional com esportivo e que só se pode chegar ao cume escalando. Conheçam o Pico da Canastra, entre Canela, Três Coroas e São Francisco de Paula.


Deixando Caçapava do Sul, pegamos a monótona BR 290 rumo a Porto Alegre, errando, antes disso, um pouco o caminho. Já percorri esta estrada uma dezena de vezes, sempre indo para a Argentina. Por conta disso, posso dizer que é a mais chata que existe.

A paisagem ao longo da BR 290 é extremamente alterada e monótona onde literalmente não há nada pra ver. Pra piorar, a concessionária que administra a rodovia cobra um pedágio abusivo e nem sequer desvia o trânsito das cidadezinhas por onde passamos, sendo assim somos por dezenas de vezes obrigados a entrar nelas, andar abaixo de 40 por hora, enfrentar radares escondidos, lombadas e caminhões. Sei que isso não tem nada a ver com o propósito deste site, mas é que dá muita raiva destas empresas que administram estradas e não fazem nenhuma melhoria senão que tampar buracos, mas enfim…

Logo depois de passar por Porto Alegre, deixamos a região metropolitana para trás e começamos a subir a serra pela RS 020, seguindo as indicações que encontramos no site do escalador gaúcho Naoki Arima. Nestas indicações havia a descrição que deviamos seguir por esta estrada até chegar numa estrada secundária chamada Linha Café. Andamos pra caramba e nada… Foi quando percebi que o mapa do Naoki estava errado, pois a Linha Café ficava na verdade na RS 115, que liga Taquara a Canela.

Corrigindo o erro, achei a tal Linha Café e fui seguindo as indicações. A tal estrada secundária era muito grande, andamos, andamos e andamos, sempre nos perdendo e nos achando, já usando o mapa do Naoki como uma caça ao tesouro. Piorou muito a situação o fato de já estar noite e não haver lua no céu.

Enfim, fomos aos poucos devendando o mapa e chegamos perto de onde estava o refúgio, que procuramos por cerca de uma hora, devido as imprecisões de detalhe, mas enfim, passamos o crux do Pico da Canastra e encontramos o refúgio já pelas 11 da noite.

O refúgio não é um lugar público. Na verdade é de um grupo de amigos e nem sempre tem gente lá. Por sorte, como era feriado, lá estava o Rodrigo e o pessoal local. Mal tivemos tempo de conversar, pois no dia seguinte teríamos que acordar cedo.

O Pico da Canastra é um morro espetácular. Ele foi formado a partir da erosão que dissecou a superfície que nivela o topo da Serra Geral. A região onde fica este pico é na borda do Planalto, onde ele se quebra e perde altitude drásticamente. Isso foi feito através da erosão utilizando planos de falhas. O resultado foram vales profundos com vertentes abruptas onde é normal aflorar a rocha regional, no caso o basalto.

O vale onde fica o pico da Canastra é este caso. Em sua vertente esquerda o desnível e muito abrupto e lá afloram paredões de basalto muito verticais. O Pico é um morro testemunho, pois ele mais saliente que o resto do paredão, entretanto, a ação da erosão do Quaternário separou ele do resto da parede de forma que ele se isola, formando uma agulha de cerca de 200 metros de altura do nível médio do vale.

A via que escolhemos foi a Porca Tróia, 6. VIIa. 150 metros, uma via clássica e polêmica do local. A “Porca” é uma via muito bonita, difícil e de qualidade, entretanto ela tornou-se polêmica porque seu conquistador, o Orlei Jr, deixou ela muito protegida para os padrões locais: E1, quando no pico é normal grau de exposição superior a E2. De fato a via tem muitos lances, principalmente os mais dificeis, equipados como via esportiva, mas mesmo assim utilizei peças móveis em mais do que uma enfiada para proteger melhor os lances. É uma via indiscutivelmente boa.

A caminha até a base da via é tranquila e ela começa ao lado de um caverninha. Deixamos algumas coisas na base e logo começamos (eu, Karla e Eliza) a subir. A primeira enfiada é de 6 sup. A dificuldade é alcançar a primeira chapa, pois o lance é delicado. Logo após isso há uma sequência de agarras viradas e algumas bromélias espinhentas que dificultama movimentação. Esta foi na minha opinião a enfiada mais dificil da via, mais dificil inclusive do que a segunda, que é o lance de 7a.

A segunda enfiada foi a melhor de todas. Ela é bem grande, tem cerca de 30 metros de altura e a dificuldade é constante. Nela, passa-se por lances bem aéreos, mas bem protegidos. Há muito lance de equilibrio com o chão láááááá embaixo. Apesar de ser difícil, fiz ela me divertindo, pois é o lance mais lindo da via.

Nesta enfiada eu tive que içar a mochila, usando um sisteminha muito esquema que aprendi com o Eliseu. As meninas também mandaram bem a enfiada, mas se espetaram um monte nos cactos e bromélias da parede. O pico da Canastra, apesar de ficar num local super úmido e repleto de florestas de Araucária, ele tem muita vegetação de clima seco, com espécies de cactos que eu nunca tinha visto, como um certo “cacto bola” lanudo. Foi bem interessante ver isso. Aliás, a região deste morro é muito cheio de vida, escalamos o tempo todo sob o som do coachar dos Bugios, vimos muitos pássaros e a parede, em muitos pontos, é uma verdadeira trans-amazônica, como a terceira enfiada.

A terceira enfiada é bem curta. É praticamente uma troca de parada, pois saimos na horizontal até um platô com árvore. De lá saímos para um trepa pedra e alcançamos o platô do almoço, onde trocamos de via para uma com acesso melhor ao cume, no caso, a “Bugio solando”.

A última enfiada da “Bugio solando” foi também uma orquestra. Via bem aérea, muito bonita, com um acesso ao cume digno de uma montanha. Chegamos no cume bem tarde, pois a escalada em três é lenta, ainda mais que minhas parceiras nunca tinham escalado uma via de vários largos e ainda não têm muito a manha da escalada mais rápida. Valeu a pena, as meninas curtiram pra caramba seu primeiro cume onde só se chega escalando, aliás, um cume super pequeno em um morro super escarpado por causa das características da disjunção do basalto.

Descemos em um rapel rápido pela corda dupla e chegamos a tempo no refúgio de pegar as coisas, pagar e sair fora, pois como era domingo, a galera estava voltado pra Porto Alegre. Nós, em direção oposta, fomos a Canela e de lá para Caxias do Sul, onde dormimos na Gruta das 7 Léguas, o melhor point para a escalada esportiva de grande dificuldade do Rio Grande.

Ainda pude, no dia seguinte, escalar algumas vias fáceis por lá, um 6 sup e um 7a. Realmente a gruta é muito forte, fora da minha capacidade. Mas valeu a pena conhecer o pico e as vias mais dificeis do Brasil.

De Caxias tocamos direto para Curitiba, numa viagem de um dia longo. A viagem até o Uruguai me rendeu, além de boas escaladas e companhia, conhecimentos de novos lugares de escalada e a certeza de que tenho que voltar ao Sul mais vezes, o que vou fazer com certeza.


Pedro Hauck, colunista do Altamontanha.com é também dono e editor do site Gentedemontanha e tem apoio de Botas Nômade.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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