Eu falhei muitas vezes, diz Reinhold Messner em entrevista

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“Eu não acho que sou um homem especial”, falou Reinhold Messner, o mestre dos oito mil, em alto e bom tom. E essa é apenas uma das revelações que ele fez. Em uma entrevista produzida pelo aventureiro, escritor e pesquisador, Ash Routen, e publicada originalmente na Revista UK Climbing, Messner conta sobre sua vida no montanhismo e suas conquistas.

Reinhold Messner é conhecido como uma lenda viva do montanhismo.

O foco inicial da entrevista planejado por Routen era descobrir como era a fisiologia do grande mestre e como ele se preparava para as expedições.  Todavia, Messner afirmou logo de cara não ser um privilegiado ou ter mais facilidades de adaptação física. Ele defende que a fórmula do seu sucesso era a mente. “Acho que a abordagem mental é mais importante do que a abordagem física, especialmente para estas aventuras extremas”, disse ele.

O planejamento

Assim ele prosseguiu falando sobre a importância de estudar e se preparar para uma aventura extrema. “Se eu não sou capaz, com antecedência, de imaginar tudo que pode acontecer, para onde vou e onde estão as dificuldades, não estou bem preparado para uma expedição”, falou.

“É claro que, fisicamente, você pode correr montanhas acima, como Peter Habeler e eu fizemos, subíamos montanhas muito íngremes em casa para treinar os músculos e também, naturalmente, o coração e os pulmões, e assim por diante. Mas, a identificação com o que tentamos fazer, com o que nosso plano era, era muito mais importante”.

Messner no cume do Everest em 1980.

Entretanto, Messner aponta que além do preparo físico ele também investe em um estudo detalhado sobre o local a ser escalado e o desafio a ser vencido por meio de livros. “Todos os meus sonhos, todas as expedições que fiz, todas as escaladas, e tudo mais, foram construídos sobre o que aconteceu antes. Antes de atravessar a Antártida, estudei todas as viagens de Shackleton, mas também Amundsen, Scott e assim por diante, por isso tinha uma possibilidade muito forte de estar lá, antes mesmo de ir para lá”.

A intuição

Ao ser questionado sobre como ele sobreviveu a tantos desafios, mesmo sem se considerar o homem mais forte, Messner fala sobre sorte, mas também sobre um instinto que desenvolveu ao longo dos anos.

“Tive muita sorte. Só compreendi muito mais tarde, que entre meu quinto e décimo quinto ano de vida fiz muitas escaladas de classe média, fáceis, então surgiu um instinto, um instinto com a natureza e com a natureza selvagem. Eu não era o melhor escalador, mas era muito forte em sentir onde deveria ir, onde estava a rota, qual é o peso do vento, onde estão as rochas soltas e onde estão as boas rochas? Todos estes instintos estão em meu ser sem um aprendizado concreto. Também o consegui décadas depois quando fiz diferentes atividades, como escaladas em alta altitude e travessias do deserto”, revelou Messner. “Penso que foi também este instinto que me deu os sinais para dizer: “Agora é hora de voltar atrás, de desistir”, completou o montanhista ao falar sobre o quão é importante conhecer os próprios limites.

Nanga Parbat 1978, Messner realizou essa escalada em solo.

As falhas

Messner também reconheceu suas falhas ao conversar com Routen. “Em pelo menos um terço dos meus planos, eu falhei. Eu falhei muitas vezes. As pessoas sempre dizem que eu tive tantos sucessos, mas eu tive muitos fracassos. Falhei no Pólo Norte quando tentei atravessar da Sibéria para o Canadá. Eu falhei 13 vezes nos picos de 8.000m. Eu falhei muitas vezes. Sou o montanhista ou o aventureiro com mais fracassos em sua vida”, calculou Messner.

As dores

A visão de Messner sobre o sofrimento e a dor não é muito romântica “Eu não fui movido por dores, mas as dores fazem parte do jogo, especialmente se você for para a alta altitude. Os pulmões estão doendo, a cabeça está doendo, os músculos estão com dores… Não estou procurando por isso, mas sei que está acontecendo”. Assim, ele contou que quanto mais alto chegava, mais dores sentia e que nunca achou isso divertido.

“Se os jovens estão dizendo que tudo isso é divertido, eu não acredito nisso. É apenas uma palavra que eles usam porque todos usam esta palavra hoje e tudo tem que ser divertido. Não é divertido colocar a mão em uma fenda e fazer um punho para puxá-lo para cima. Também não é divertido em 40 abaixo de zero perto do cume do Everest sem uma máscara de oxigênio e ter este ar frio diretamente em seus pulmões. Não é divertido ter neve até os joelhos, e subir uma montanha íngreme de joelhos e cotovelos”.

Todavia Messner conta que quando era mais jovem, se sentia mais capaz de sentir dor, passar frio, passar fome, medo. “À medida que fui envelhecendo, a última coisa que perdi foi minha capacidade de suportar a dor. Aos 45 anos, eu era capaz de suportar mais dor do que aos 20. Mas agora eu prefiro ir ao banheiro como um homem e não como um animal”.

O montanhista em um breve pausa para descanso.

A tradição da escalada

“Vejo, em minha atividade, uma expressão cultural ou uma questão cultural, e não uma questão esportiva. Meu estilo nas montanhas está seguindo certa tradição, e acho que tradição e montanhismo nada mais é, não há regras, não há certo e errado, é apenas baseado na filosofia e na história. Parte da história e parte da filosofia é o que nos deu a direção certa para fazer alpinismo tradicional ou aventuras tradicionais”, explanou.

“Sabe, tudo isso agora está se rompendo porque 90% dos alpinistas vão para uma academia de escalada e praticam esporte. Isto não tem nada a ver com alpinismo. É um grande esporte, eles fazem competições, será nos jogos olímpicos, esta escalada nos porões artificiais e nos porões de plástico”, falou sobre a sua visão do montanhismo atual.

E completou: “O que está acontecendo no Everest é puro turismo. A montanha está preparada para os turistas e eles pagam muito dinheiro para usar a infra-estrutura, feita pelos Sherpas, para ser levada ao cume. Isto também está bem, o turismo está bem, nós alpinos vivemos porque há muito turismo, e os Sherpas agora, e as famílias Sherpa, eles também podem ganhar a vida com este tipo de turismo”.

As novas velhas aventuras

Messner ao lado do novato Nirmal Purja

 Atualmente com 76 anos de idade, Messner confessa que agora se dedica as aventuras e se satisfaz de outra forma, através de relatos. “Comprei um livro sobre Frank Wild, que foi o braço direito de Shackleton na dramática Expedição Endurance na Antártida. O que eu penso sobre isto, é que para mim, é bem como ir nesta expedição. Sento-me em casa, mas em minhas fotos mentais estou na Antártica, falando com Frank Wild e conhecendo-o. Posso conhecê-lo porque, para mim, esta história, as velhas histórias, são pelo menos tão importantes quanto fazê-las eu mesmo”.

“Todas as minhas atividades, especialmente as coisas que faço com novas rotas e novos estilos nas altas montanhas, são baseadas na história. Portanto, tenho em mim toda a narrativa, e fora da narrativa do que aconteceu nos séculos anteriores ao meu tempo ativo vieram meus novos planos, as ambições e os desafios que tentei cumprir”.

 

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

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