Inter Agudos de ataque via Marco 22

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Enquanto a Luciana fazia a janta, ela pergunta, “O que acha da gente entrar no Marco 22, fazer todos os Agudos e voltar para o Marco 22 de ataque?”. Dei as costas para ela na cozinha e sai, depois de alguns minutos voltei e indaguei, “Você não tem o que fazer não?”.

Tivemos até uma “mini” discussão por causa disso, eu argumentando todos os pontos que deveríamos ter cuidado e precaução e ela achando que eu estava colocando empecilhos para não ir.

Na minha percepção, coisas comprometidas precisam ser bem estudadas. Pensar na possibilidade das coisas darem erradas, e quando isso acontecer, você estar preparado para sair daquela roubada. Pelo menos é assim que eu lido com as coisas. Existe uma linha tênue entre ser ousado e ser “cagão”. Ousado e prudente para voltar inteiro e vivo de projetos mais arriscados, e não ser tão cagão de tentar entrar em coisas mais difíceis.

Alinhado com a Luciana os prós e os contras para entrar em uma caminhada como essa, tínhamos poucos dias para pensar nos detalhes de logística e a melhor estratégia.

Sábado, às 23h pegamos a estrada sentido Graciosa. O melhor lugar para deixar o carro era a Fazenda Gauber (base do Mãe Catira). Quando começamos a descer caminhando pela Graciosa, a cerração era tão forte e densa que não conseguíamos enxergar mais que dois metros a frente, por pouco não passamos a entrada do Marco 22 por não conseguir ver a escadaria com o marco.

Natan e Luciana no início da trilha

Às 00h30 iniciamos a trilha, tudo muito úmido e escorregadio, o silêncio da mata com aquele branco da neblina na frente da lanterna dava um cenário perfeito para um bom filme de terror. Não gosto muito dessa região, não me pergunte porquê, mas não fico muito à vontade até chegar na Cachoeira Mãe Catira.

O tempo estava meio cronometrado, às 2h54 chegamos no Dique Diabásio. Alguns minutos para tomar uma água e comer alguma coisa e voltar a caminhar. Eu desacostumei caminhar de madrugada, mesmo descansando durante o sábado a tarde, a essa hora da madrugada o sono começou a pegar um pouco. Quase não conversávamos durante a caminhada, os dois estavam bem concentrados, no caminho para não errar a trilha, cuidando da hidratação e alimentação, todo cuidado para não escorregar e acabar se machucando e ainda tinha que ficar antenado com animais peçonhentos, pois durante a noite a bicharada fica alvoroçada.

Próximo a Garganta o céu começou a clarear, às 05h20 chegamos ao nosso primeiro ponto de descanso. Hora de se aquecer um pouco, comer e esticar as pernas. Ficamos uma hora ali na Garganta, até um cochilo de 15 minutos consegui tirar sentado em cima das minha polainas, o sono estava sendo minha maior dificuldade. A Luciana estava pilhada ainda, “Bora Natan, ficamos muito tempo aqui e o corpo está esfriando muito”.

Marco da Garganta

A caminhada a partir desse ponto sentido Agudos fica um pouco mais fechada, apesar de não precisar mais usar as lanternas o ritmo ainda era o mesmo, estava tudo muito molhado e agora com a trilha mais fechada não conseguíamos acelerar o passo. Depois de uns 30 minutos de caminhada parei e perguntei para a Luciana, “Olha esse tempo de merda, tá tudo molhado … era para amanhecer um dia bonito segundo a previsão, mas está tudo fechado e com cara de chuva, conforme a mesma previsão a partir do meio dia vai começar a chover, tem certeza que quer continuar?”, a Mamãe com uma cara meio de indignada responde “Bora Natan, bem capaz que vamos voltar daqui!”.

Chegamos no cume do Agudo Marmosa às 07h45 e eu ainda estava morrendo de sono, poderia deitar no chão mesmo que dormiria fácil. Não pareceu, mas ficamos 30 minutos no cume, pra mim não tinha passado nem 10 minutos. Algumas fotos e continuamos nossa caminhada naquele belo tempo de bosta que continuava fechado com cara de chuva e vento gelado.

Vegetação úmida e fria.

Até chegar próximo ao cume do Agudo da Cuíca a subida é puxada, a trilha fica um pouco confusa em alguns pontos, mas nada que uma boa atenção no rastro não resolva.

Quando saímos no primeiro campo o tempo começou a abrir, impressionante como o sol secou muito rápido o mato úmido que molhava a calça quando passávamos. O visual estava fantástico com os cumes parecendo “ilhas” naquele mar de nuvens.

Visual com mar de nuvens

Olhando em direção ao cume avistamos duas pessoas vindo em nossa direção, estranhamos a coincidência de ter alguém naquela região logo tão cedo. Chegando mais próximo conseguimos perceber que eram montanhistas conhecidos, a Lu Dep e o Nerio de Ponta Grossa. Os dois estavam acampados no Colina Verde e saíram logo cedo para fazer os Agudos. Um bate papo rápido com os dois e logo as duas duplas seguiram seus objetivos.

Encontrando amigos na montanha

Chegando no cume do Agudo da Cuíca o tempo parecia estar cada vez mais firme, o sol mesmo pela manhã (9:20h), mostrava que seria um dia bem quente. A caixa de cume fica no chão bem ao lado da trilha no campo, passamos mais meia hora aproveitando aquele visual e deixando as roupas secarem um pouco.

Curtindo o visual com o tempo bom.

Na subida para o Agudo da Cotia o cansaço começou a pegar, o sol forte e o calor estavam desgastando mais ainda a caminhada. Eu só queria tirar a bota e deixar meus pés descansarem um pouco, meu pé estava meio enrugado e com uma coloração “pálida”, precisava de um sol para voltar a sua normalidade. Apesar de ser uma montanha mais baixa do que o Ciririca, a vista é muito bonita, tanto das montanhas quanto do litoral, parece ter a impressão de ser um dos cumes mais retirados da Serra do Ibitiraquire.

Quase meio dia, ficamos praticamente uma hora no cume, descansar, comer, fotografar e aproveitar aquela montanha, o tempo passou que nem notamos.

Ainda faltava a última montanha para fazer antes de começar nosso retorno. O Agudo do Lontra, que não é longe da trilha principal onde liga o Agudo da Cotia com o Ciririca, mas como nosso retorno se daria pelo Colina Verde, teríamos que passar a entrada do Colina e dar uma boa pernada até o cume do Lontra. Essa última montanha foi a mais sofrida, já estávamos cansados e o sol forte estava nos matando. Não tinha um vento ou uma sombra para amenizar o sofrimento. Às 13h batemos no cume, eu só queria sentar um pouco e beber muita água. Em cada cume a rotina era a mesma, a Luciana tinha a paciência e a dedicação de escrever e relatar em todos os cadernos que passamos, além de repor o caderno de registro nos cumes do Cotia e do Lontra que estavam sem.

Hora de voltar pra casa, o caminho era beeem longo e as horas voavam. O próximo objetivo era tentar chegar na Garganta 235 ainda de dia, não estava afim de pegar o trecho do Rio Forquilha e a Garganta a noite, o lugarzinho ruim de passar.

Passando pelo Colina Verde tivemos ainda o privilégio de aproveitar um pouco mais aquele visual fantástico que nos acompanhou o dia todo. Conseguimos observar cada Agudo de vários ângulos, ali no meio daquelas montanhas podemos entender cada vez melhor nossa serra.

O Rio Forquilha estava mais cheio do que na última vez que passamos por ele, isso acabou atrapalhando e atrasando um pouco mais o nosso ritmo de caminhada. Saindo do rio e começando a subir a trilha que dá acesso a Garganta estávamos muito concentrados em não perder o rumo da trilha, não dava para perder tempo com erradas.

Às 16h40 chegamos na Garganta, eu estava ensopado de suor, tocamos em um ritmo forte e sem paradas, o importante é que conseguimos concluir com nosso objetivo de chegar ainda de dia.

Descemos em um passo forte com a pretensão de chegar na Cachoeira Mãe Catira ainda de dia. O tempo passava muito rápido, o amanhecer parecia ter sido a pouco tempo, e já estávamos vendo o sol se pôr novamente, e ainda continuávamos caminhando.

Parada para hidratação.

Chegar na cachoeira antes do sol se pôr foi muito animador, parecia até que o cansaço tinha ido embora de tão animado que fiquei, a perspectiva de finalizar essa caminhada era grande. Concentração e foco em tudo que fazíamos, chegar em segurança e não perder tempo procurando trilha porque erramos em algum lugar era o mais importante naquele momento.

Faltava muito pouco para chegar no Marco 22 quando escutei a Luciana falar meio que gritando “Cobra, você praticamente pisou na cobra Natan”, minha resposta foi meio curta e grossa “Foda-se a cobra, quem mandou ficar no meio do caminho”. Naquela altura do campeonato eu só queria chegar logo na estrada.

O sorriso involuntário no rosto foi inevitável quando chegamos no Marco 22, “Caralho, conseguimos!”, foi a primeira coisa que falei para Mamãe (apelido carinhoso da Luciana). Era 21:00h, assim totalizando 20 horas e 30 minutos de caminhada pesada para fazer o Inter-Agudos via Marco 22. Essa entra para as pernadas cinco estrelas que já fiz, e pelo que parece também, é a primeira vez feita dessa forma.

Luciana foi super parceira, companheira e principalmente a pessoa mais empolgada do casal, fico feliz de ter ela ao meu lado para fazer coisas retardadas como essa.

Esse são aqueles dias que ficam gravados na memória em um cantinho diferenciado, uma boa ideia, uma boa estratégia, e uma excelente companhia fazem algumas coisas realmente valerem a pena.

 

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Sobre o autor

Natan Fabrício Loureiro Lima é montanhista e escalador de Curitiba PR. Ele foi por muitos anos presidente da Associação Nas Nuvens Montanhismo e da Federação Paranaense de Montanhismo, atuação que o levou a ser nomeado vice presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada. Se destacando na exploração de trilhas e montanhas afastadas na Serra do Mar, Natan passou a escalar em rocha, onde prefere vias tradicionais e também alta montanha.

3 Comentários

  1. Parabéns pela a sua aventura, eu um dia vou fazer está loucura tbm, mais quero ir até a fazenda do bolinha, boas trilhas para vcs…

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