As encostas mineiras da Serra dos Marins são deslumbrantes, com suas altas escarpas em granito cinza emergindo por cima de enormes paredes recobertas de vegetação. Bem no seu centro, aparece o cume do Marinzinho, considerado o ponto culminante deste maciço.
E, lá embaixo, morava um japonês idoso que durante anos caminhou por esta serra e muito contribuiu para torná-la conhecida. Este capítulo não é só um relato; é sobretudo uma homenagem ao velho Maeda.
Maeda conta que sua primeira experiência na natureza foi aos cinco anos, quando teve de fugir dos soviéticos que haviam invadido a Coréia do Norte, onde então morava com sua mãe. Atravessaram por dias uma floresta, até chegarem à Coréia do Sul e poderem voltar ao Japão.
Aos 15 anos entrou para um grupo de montanhismo e, devido à difícil situação no Japão, emigrou aos 20 para o Brasil, já no fim do período da imigração japonesa, que se estendeu por meio século.
A partir do século XIX, houve muita imigração para o Brasil de europeus. Porém os japoneses só chegaram no início do século XX – o país era superpopuloso e mal conseguia produzir seu próprio alimento. Por volta de 1960, quando Maeda chegou, o fluxo já tinha cessado.
Maeda foi durante anos gerente industrial até se aposentar. Foi um dos fundadores do Centro Excursionista de Campinas e colaborou na abertura de importantes trilhas na Mantiqueira. Sua família operou um conhecido pesqueiro em Itu.
Atravessou quatro décadas atrás a Serra Fina, contribuindo para consolidar o esplêndido percurso que hoje conhecemos. Em especial, abriu em 1993 a travessia Marins-Itaguaré, que considero primorosa.
Disse-me que foram dez dias de esforço, intercalados ao longo de muitos meses. Quem já a percorreu notará como esta trilha de crista foi implantada com maestria. Mais tarde, estabeleceu dois caminhos em Minas, na Serra do Lopo em Extrema.
Quando o conheci, Maeda tinha 70 anos e vivia numa pousadinha no sopé da Serra dos Marins, exatamente abaixo do Marinzinho. Lá instalou um museu de montanhismo, que recorda suas andanças pelas montanhas do Brasil, Peru e Argentina.
Nas imagens, às vezes ele parece derrotado pelo cansaço; noutras, eufórico pela conquista – pois montanhismo é assim, o êxito nunca vem sem a fadiga.
Quis pousar lá e perguntei se fariam nosso jantar. Claro, conheço a cozinha brasileira, japonesa e holandesa, respondeu. Maeda, vai ser muito trabalhoso para você, disse eu tentando escapar de uma provável fome ou, pior, indigestão. Nem um pouco, é tudo igual, basta mudar o arroz. Para reduzir os riscos, escolhemos o menu japonês. E não sofremos nem de fome e nem de incômodo.
Em 2020, seu abrigo se incendiou. Tentando salvar a nora e os netos, Maeda entrou no local e teve a maior parte de seu corpo queimada numa explosão. Ficou internado por quase um mês no hospital, mas faleceu em outubro, aos 80 anos. Este artigo é uma homenagem a este homem pequenino, alegre e enérgico, que muito falava, sempre sorria e tanto fez.
Junto com o Itatiaia e a Serra Fina, o Marins é um dos três maciços centrais da Mantiqueira – juntos, eles compõem o seu magnífico espigão mestre. O Pico dos Marins é sua montanha mais conhecida, talvez devido à beleza do cenário por ela dominado e por ser o ponto culminante de São Paulo, com 2.421 metros de altitude.
Neste conjunto existem duas outras montanhas importantes. O Itaguaré (2.308 metros) é uma delas, com seu perfil arrojado, suas impressionantes escarpas e seu cume assustadoramente pequeno, ao qual só se chega pulando sobre o abismo. A outra é o Marinzinho (2.432 metros), menos conhecido por localizar-se atrás do Marins e apresentar o desenho mais discreto de uma corcova rochosa no meio da serra.
A rota Marins-Itaguaré é uma das mais belas travessias altas do Brasil, a meu ver só superada pela Serra Fina e, talvez, pelas da Serra de Ibitiraquire no Paraná. Ela tem uma verticalidade e um isolamento emocionantes, que contrastam com as densas florestas de suas bases.
Foi este trajeto que ocupou Maeda durante meio ano. Eu o fiz com meu amigo Joãozinho muito tempo atrás e até hoje não esqueço dos dois dias de paz e felicidade de que desfrutamos.
Eu portava apenas a minha mochila cargueira, mas ele além da sua, levava um enorme botijão de água. De fato, por ser uma trilha de crista, ela é seca – mas Joãozinho exagerou, o jeito foi beber muito cedo muita água.
As vilas mineiras nas proximidades são Delfim Moreira e Marmelópolis, que juntas mal ultrapassam dez mil habitantes. Surgiram no período colonial devido à busca de minérios pelos bandeirantes.
No passado, a região era grande produtora de marmelo, chegando a haver mais de uma dezena de fábricas – das quais hoje só uma operando, devido ao declínio da atividade. Lá você pode comprar deliciosas marmeladas e provar do surpreendente suco de marmelo.
A estrada de acesso ao Marinzinho a partir do asfalto é sinalizada por simpáticas placas, que indicam as principais atrações, junto com a Pousada Maeda, que lhe é próxima. Ela fica num bairro chamado Catas, pois no passado foi palco de minerações.
Chegar ao alto da serra por este local é relativamente simples, pois existe uma antiga estrada de aproximação, até ser interrompida por um portão. Você andará brevemente, até encontrar a Pedra Montada (1.834 metros), uma interessante formação, com um enorme monolito pousado sobre uma rocha.
Agora dentro de uma trilha, você atingirá um primeiro mirante, o Morro dos Gaviões, seguido por um mais elevado, o São Pedro (cerca de 2.100 metros). Ele é o último acidente antes do Marinzinho, que você alcançará através de uma deliciosa rampa íngreme, depois de uma ascensão de mil metros.
A vista abarca em especial a grande formação do Marins, do qual você estará bem próximo, o Vale do Paraíba e os belos campos e serras mineiros. Infelizmente, da primeira vez não pude desfrutá-la, devido ao forte vento e neblina que me fizeram desistir da subida quando estava no Mirante de São Pedro.
A região de Marmelópolis é bem bucólica, e, se você for em maio, não perca o concurso de Miss Marmelópolis, no qual competem moças de duas dezenas de municípios próximos. A cidade não concorre, pois o julgamento é sempre lá – sempre no Marmelo´s Club – e não pode haver suspeita de marmelada.
3 Comentários
Saudoso Maeda!! Companheiro de reabertura da Serra Fina em 1992 e abertura de Marins – Itaguaré em 1993, além de outras grandes aventuras (Perú, Patagônia, Pedra do Lopo…Deve estar no Céu caminhando junto à natureza da forma q vce mais
Gostava
Saudades de vce amigo!!!!
Parabéns Alberto, belo texto. Também conheci pessoalmente o grande mestre Maeda. Em um belo dia de passeio com a família pelas estradas de terra em Marmelópolis, resolvemos passar na pousada. Fomos muito bem recebidos. Maeda sempre sorridente nos convidou para passar a noite por lá. Não podíamos, pois, no dia seguinte o trabalho chamava em Itajubá. Mas foi inesquecível encontrar o pioneiro. Anos mais tarde, em 2020, tive a felicidade de alcançar o cume do Marinzinho com os amigos Adalto e Sandro. Só quem conhece a sensação do topo de uma montanha sabe a alegria do momento de contemplação. A sensação de fadiga misturada à de conquista. Quem sabe em um dia desses a gente se encontra nas alturar. Obrigado pelo texto! Grande abraço!
Grande Maeda. Era um grande prazer ter a companhia dele nas caminhadas. Sempre de bom humor e disposto. Deixa saudades.