Dando início a temporada de 2023 – ano em que me aproximo de completar vinte anos de Montanhismo – decidimos repetir a magnífica Travessia da Serra Grande de Ortigueira, aberta por nossa equipe entre os anos de 2019 e 2020. Esta trilha percorre a Serra no sentido Norte-Sul, partindo do sub cume do Caviúna, passando pelo Guarani, Calcanhar, Face Sul, Morro do Meio e Pico do Portal.
Nesta região de transição entre o segundo e terceiro planaltos, o Rio Tibagi atravessa a imponente Serra dos Agudos – importante farol orográfico utilizado por indígenas, jesuítas e bandeirantes – formando o Cânion mais profundo do Paraná, segundo estudos da UFPR. A proposta desta Travessia, além do desafio físico e mental, é proporcionar ao montanhista diversos ângulos deste cenário deslumbrante.
Diz o dito popular que “não há nada tão bom que não possa ser melhorado” e, neste sentido, decidimos aprimorar o traçado da Travessia eliminando a circular que fizemos em 2020. Assim seria necessário abrir uma nova trilha para o Caviúna, tendo como ponto de partida um carreador que contorna a Serra pelo Norte.
Debrucei-me sobre os Mapas e Google Earth constatando que a crista do Caviúna (região de transição entre florestas e campos) era o local lógico e natural para a materialização deste projeto. Verifiquei ainda que essa crista segue até a Pedra do Urubu, um mirante extraordinário que antecede o cume do Caviúna em 80 metros. Sem dúvida, seria uma heresia imperdoável deixá-lo de fora da Travessia!
Pois bem. Para esta empreitada, além de meu comparsa tradicional Lucas Zerbinati, decidi levar meu filho Benjamin (12 anos) vez que, pelos meus cálculos, teríamos que abrir 1km de trilha vencendo 280 metros de altimetria – errei por pouco! Mochilas arrumadas, facão amolado, 2 cachimbos, uma porção generosa de fumo de corda e partimos de Rolândia no Domingo, 07 de Maio, às 5h30.
Seguimos por Tamarana e encontramos um atalho que nos conduziu diretamente à bifurcação que dá acesso às Faces Sul e Norte. Como de costume, a tela branca não permitiu a navegação visual e acabamos pegando a estrada rumo ao Sul. Felizmente, logo percebi o equívoco e, apesar dos protestos do Lucão, parei o carro, confirmei pela bússola e retornamos à bifurcação, pegando a estrada certa!
Estacionamos a poucos metros do início da trilha e partimos pra cima. A inclinação é exigente, o terreno é repleto de pedregulhos soltos (característica das montanhas desta formação) e a vegetação é um misto de capim gordura (Melinis minutiflora), samambaias das taperas (Pteridium arachnoideum), unhas de gato, Caviúnas (gênero Machaerium) e espécies pioneiras comuns em zonas de transição.
O traçado da trilha não decepcionou. Embora vencer a vegetação espinescente fosse uma tarefa cansativa, por toda extensão do caminho há janelas para o Morro do Taff (imponente Montanha localizada na margem oposta do Tibagi, no Município de São Jerônimo da Serra). Seguindo a crista, em cerca de uma 1h40, despontamos nos campos observando a Pedra do Urubu no rumo exato que estávamos percorrendo, além de um visual ampliado do Taff e seus arredores.
Ao nos aproximarmos do rochedo, percebi uma grande movimentação de insetos em uma fenda e julguei se tratar de um enxame de abelhas. Por precaução, derivei à Oeste atingindo a Pedra do Urubu por cima. Ali fizemos uma parada para lanchar, recuperar as energias e contemplar o magnífico cenário: Serra Chata e Ybiangi à Sudeste, Taff e Reserva do Apucaraninha ao Norte, Serra do Apucarana (Cadeado) ao Leste e boqueirão do Tibagi no fundo do Cânion.
Seguimos para o cume do Caviúna, farejando rastros de 2020 e, sem muita dificuldade, o Lucão percebeu um amontoado de pedras coberto pela vegetação (que montamos para abrigar o tubo do livro). O caderno estava completamente encharcado, irrecuperável. Nossa experiência nos Agudos do Tibagi e Serra do Mar revelam que este sistema é uma merda e urge substituir os tubos de PVC por caixas de metal – faremos uma ação entre amigos com essa finalidade!
Em 2020 havia percebido que a espécie de gramínea existente no cume era sensível ao pisoteio e na área onde fizemos o ajuntamento de pedras, os arbustos encontraram oportunidade para despontarem, alterando a paisagem, mas nos fornecendo agradável sombra durante o sol escaldante do meio dia. O Benjamim, esgotado, caiu no sono e eu fiquei por ali apreciando a paisagem e fumando um saboroso e tonificante blend de cordas jaguari, tietê e mapacho…
A partir desse ponto, ficou evidente que as trilhas de 2020 terão que ser reabertas, oportunidade em que pretendemos corrigir pontos específicos do traçado e providenciar um fitamento decente. Perto das 13h decidimos retornar. O Benjamim passou a suplicar bastante. Também pudera: O esforço dele era dobrado, vez que suas pernas eram pequenas demais para se desvencilhar da vegetação…
Quando passamos a descer mais forte ele constantemente escorregava ou rolava ladeira abaixo, motivo pelo qual o Lucas o apelidou de “Black” (referência ao lendário montanhista falecido no Morro do Balança, em 1997). Entretanto, durante este processo (felizmente, já no final da trilha) ele foi atacado por formigas e perdeu a paciência… Para acalmá-lo, rumamos ao Córrego da Serra Grande onde nos refrescamos nas águas gélidas que correm pelos belíssimos lajeados de ardósia…
Como era de se esperar, o moral dele se recuperou. No caminho de volta dormiu praticamente toda a viagem (e graças a Deus) chegou em casa feliz da vida contando para a mamãe a magnitude de sua aventura. Parabéns ao Benjamin e que o Eterno nos abençoe com força e vigor para reabrirmos e fitarmos as trilhas até o Portal: Seguramente, será uma baita e memorável empreitada!
2 Comentários
Fantástico…adorei o trajeto e narrativa, muito bom, nos remete à cena do evento, grato por compartilhar essa atividade magnífica!
Muito obrigado pelas gentis palavras: Recompensa maior, não há! Um forte e fraterno abraço de Rolândia!