Você conheceu nas colunas anteriores duas importantes serras do Centro-Oeste: Maracaju e Caiapó. De certa forma, elas se sucedem num sentido norte-sul. O Roncador, por sua vez, é o prosseguimento do Caiapó a oeste, dele separado pela depressão do Araguaia. Veja agora como ele se desenvolve.
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Mapa do Relevo do Mato Grosso (Fonte: Embrapa)
A Serra do Roncador tem algumas semelhanças com o Caiapó: são ambas formadas pelo arenito avermelhado e recobertas pelo cerrado um tanto áspero – e mostram-se ambas desorientadoras por sua descontinuidade.
O Roncador tem uma geologia moderadamente antiga, constituído por rochas datadas de 400-450 milhões de anos. Nelas não houve forte ação tectônica, tendo sido formadas por sedimentação e deposição ao longo de períodos longos e diversos.
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Mirante na Serra do Roncador, Barra do Garças, MT
Ele é uma cordilheira divisora entre as bacias do Araguaia a leste e do Xingu a oeste. Estende-se por 800 km desde Barra do Garças na divisa com Goiás até Vila Rica no limite do Pará. Isto significa que atravessa todo o bordo leste do Estado do MT, de sul a norte, neste aspecto assemelhando-se à Serra de Maracaju no vizinho MS (ver mapa).
O Roncador faz a articulação entre o Brasil Central e o Amazônico. Ao sul, ele participa das formações sedimentares em arenito, comuns ao nosso Centro-Oeste. Porém, exatamente na divisa com o Pará, passam a surgir rochas cristalinas, de origem diferente, que integram a bacia amazônica. É ali que ele termina.
O trecho mais interessante pertence a seu exato começo, em Barra do Garças. Ele envolve esta cidade a oeste e norte, com agitadas corcovas recobertas de vegetação, atingindo altitudes interessantes. Seu ponto mais elevado fica nos 15 km da Serra do Taquaral, a 780m. Ele é aqui chamado de Serra Azul.
Mas, ao prosseguir cerca de 100 km para o norte, o Roncador passa exibir um aspecto diferente, agora com longas escarpas sinuosas por algo como 30 km. Trata-se do espetacular Vale dos Sonhos, em cujos chapadões interiores está seu ponto culminante, a 935m.
Sua feição mais característica é a escarpa do Bico de Pedra, terminado na agulha chamada de Dedo de Deus, uma visão notável à beira da Rodovia BR-158 que o atravessa. Pela primeira vez, a serra é aqui chamada de Roncador, nome que resultou do barulho do vento por suas frestas.
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Bico de Pedra e Dedo de Deus, Roncador, Barra do Garças, MT
Foi nesta região que um século atrás Percy Fawcett iniciou sua expedição. Este inglês aventureiro, que teria inspirado o personagem de Indiana Jones, pretendia achar um novo Eldorado na Amazônia. Chamou-o de a cidade perdida de Z. Mas quem se perdeu na selva foi ele, fato cercado desde então por muitas lendas e buscas. Foi lá também que começou a famosa expedição ao Xingu dos irmãos Villas Boas – e eles encontraram junto aos índios Kalapalo o que teriam sido os ossos de Fawcett.
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O Coronel Percy Fawcett (Fonte: Divulgação)
A partir deste começo, o Roncador aponta para o norte, inicialmente a oeste e depois a leste de Nova Xavantina. Porém suas altitudes tornam-se modestas, variando de 300 a 500 m, ao longo das imensas reservas xavantes banhadas pelo Rio das Mortes, que acompanham o seu caminho.
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Orlando Villas Boas e a Ossada de Fawcett (Fonte: Divulgação)
Dizem os etnólogos que fica aqui o antigo lar dos xavantes, quando 1½ séculos atrás eles fugiram da violência colonial para a área de Wedezé. Desde então, ocupam essas terras, que hoje reivindicam. Na minha experiência, foram 250 km um tanto frustrantes, de Água Boa a Canarana, devido ao perfil pouco definido da serra, com alguns poucos chapadões.
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Serra do Roncador em Território Indígena, Ribeirão Cascalheira, MT (Fonte: James R. Welch)
Porém, depois de Ribeirão Cascalheira, o Roncador parece apenas um discreto sopé e até mesmo um mero divisor de águas, pois suas elevações não são mais perceptíveis, oscilando entre apenas 300 e 400m de altitude por algo como mais 250 km. Mais ao norte, ele se dilui nas muitas formações dispersas da Serra do Tapirapé por cerca de 100 km.
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Serra do Tapirapé em Confresa, MT
É em Vila Rica que ele finalmente volta a exibir relevos interessantes, nas pequenas Serras da Cobrinha e de São Marcos e, sobretudo, na longa Serra do Urubu Branco ao sul, com surpreendentes 630m. É aqui que cessa o arenito e começa o novo território da rocha granítica, onde o Roncador termina, já na divisa com o Pará.
A grande bacia do Roncador é o Araguaia (e seu tributário Rio das Mortes). Você atravessará este último em Nova Xavantina e nunca estará muito distante do primeiro. Poderá visitá-lo em localidades como Araguaína, São Félix, Barreira do Campo e Conceição do Araguaia. Eu me impressionei ao longo do caminho como o Brasil é hoje uma grande fazenda, com os traços do cerrado original menos visíveis ainda em MT e BA do que em GO e MS. A fauna é a usual, com mamíferos de porte e muitos peixes, répteis e aves.
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Serra dos Gradaús em Santana do Araguaia, PA
Há um único e inexpressivo parque natural diretamente neste longo caminho: o PE da Serra Azul em Barra do Garças (11 mil ha). Além dele, existem na Ilha do Bananal o PN Araguaia (275 mil ha estimados) e o PE do Cantão (90 mil ha), ambos nada ou pouco visitados.
Mas há uma quantidade de territórios indígenas, suponho que meia dúzia, habitados por algo como 15 mil índios xavantes, caiapós, carajás e javaés. Os territórios a eles conferidos alcançam inacreditáveis 6 milhões de hectares. Acredite, isto equivale a ¼ da área de todos os nossos parques nacionais.
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Vereda de Buritis, Serra do Roncador, MT (Fonte: Divulgação)
Afora os embates contra os indígenas durante os 2½ séculos desde a colonização e os movimentos guerrilheiros durante a ditadura, esta foi uma região sem eventos históricos de âmbito nacional. Sua maior cidade é exatamente a modesta Barra do Garças, por onde este relato começou.
2 Comentários
Que artigo legal!
existe quartzo no roncador na localidade do chamado dedo de deus?