Falo agora de uma das mais distantes e inacessíveis serras brasileiras, já no limite do nosso país. Nas nem por isso deixa de ser visitada pelos valentes aventureiros que ambicionam subir ao teto do Brasil, o Neblina. E é com nossa mais alta montanha que encerro esta longa série de artigos.
O Planalto ou Escudo das Guianas é assim chamado devido à sua localização nas três Guianas. Porém ele também alcança países vizinhos, como Venezuela, Colômbia e Brasil. Ocupa o extremo norte brasileiro, nos Estados do AM, PA e RR. É uma das formações mais antigas do planeta, originada no Pré-Cambriano talvez há mais de 2 bilhões de anos.
Acredita-se que os Planaltos das Guianas e Brasileiro tenham sido unidos numa época geológica remota e que a bacia amazônica tenha surgido da cisão entre eles. A região serrana é composta por várias serras, entre as quais as de Baruri, Imeri, Tapirapecó e Curupira (ver mapa).
Na segunda destas serras encontram-se os dois pontos culminantes do Brasil (e também de todo o Planalto), os Picos da Neblina e 31 de Março, com quase 3.000m de altitude.
O Escudo das Guianas também contém na sua outra extremidade o Monte Roraima, que é 250 m mais baixo e cerca de 750 km distante. Está localizado da Serra de Pacaraima, que por assim dizer prossegue a formação do Imeri no sentido leste. Nela está o nosso ponto extremo norte, o Monte Caburaí, com cerca de 1.450m.
A Serra do Imeri, junto com suas vizinhas, ocupa algo mais de 400 km, dentro da Floresta Amazônica, na divisa do Brasil com a Venezuela. Estende-se pelos municípios amazonenses de Barcelos e Santa Isabel. Embora o acesso seja por barco a partir de São Gabriel da Cachoeira, a Serra está a apenas 150 km em linha reta ao norte da cidade de Santa Isabel.
O Neblina está totalmente dentro de nosso território, mas a fronteira venezuelana passa por seu irmão 31 de Março. A trilha do Neblina estende-se por 40 km a partir do Rio Cauaburi e pode ser feita confortavelmente, sob tempo bom, em quatro dias. Ela sobe a face noroeste da montanha, sem necessidade de equipamento.
As rochas do Imeri não são bonitas: irregulares e escuras, às vezes estriadas, parecem ter sofrido a ação de um forte intemperismo, por certo associado ao clima tropical. Nesta região, talvez apenas a Serra de Baruri apresente um granito mais acinzentado e regular. Também quando estive no Curupira não encontrei rochas com visual atraente.
O embasamento do Imeri é chamado de Complexo Cauaburi, em referência ao rio sinuoso que percorre a região. São granitos antiquíssimos, datados de 1.800 milhões de anos. Eles são cortados por intrusões graníticas antigas e diabásicas recentes, e recobertos por sedimentos de origens e épocas variadas, inclusive depósitos aluvionares atuais. Infelizmente, esta região pode conter minerais preciosos, como ouro, prata e nióbio, com risco de atração de mineradoras.
Existe um único parque natural na região, o do Pico da Neblina. Cerca de 40 anos atrás, foram fundadas quatro reservas amazônicas, a maior delas sendo a do Jaú. O PN do Pico da Neblina é daquela época e tem 2.200 mil ha de puro verde, algo como um quadrado de 150 km de lado. A Venezuela contribui com mais 1.300 mil ha do Serrania La Neblina. Quando lá estive, não havia nenhuma sinalização, limite ou estrutura.
O relevo parte de uma região plana e baixa de várzea que contém as calhas dos rios, atinge o pediplano intermediário com altitudes a partir de 600m e sobe para os contrafortes da Serra, já a 2.000m de altitude. O principal curso do Imeri é o Rio Negro, que corre na sua divisa sul. É uma bacia enorme, formando o segundo maior tributário do Rio Amazonas. Este nome vem da coloração de suas águas, enegrecidas pela matéria orgânica.
A vegetação da região do Imeri é composta pela floresta perene amazônica. Apresenta um clima bastante estável, com abundância de luz e calor. A elevada umidade funciona como uma redoma vaporosa que protege a flora, tornando-a exuberante. No começo, ela lhe parecerá homogênea, mas aos poucos você perceberá sua diferenciação.
Inicialmente pouco consistente, a vegetação irá se tornar mais robusta com a altitude. Depois, na densa floresta montana, as árvores serão um pouco menores e aumentarão as trepadeiras e os liquens. Já a floresta aberta ocorre em regiões planas, com a estranha vegetação de palmáceas. Os rios e a floresta são ricos em pássaros e mamíferos, desde garças e araras, veados e ariranhas, jiboias e felinos.
Evidentemente, a população é escassa. É composta por indígenas tucanos e yanomamis. Existem algumas aldeias na região, por exemplo Nazaré, Maturacá e Maiá. Os garimpeiros se concentram na exploração aurífera do Tucano. As cidades próximas (se é que há algo próximo por lá) não chegam a 50 mil habitantes. Evidentemente, não é uma região com um passado histórico, como ocorre em outras serras brasileiras – na selva amazônica, a história ainda está sendo escrita.
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