Chego agora a uma das principais atrações do Espinhaço, a Chapada Diamantina. Comento a seguir os aspectos ligados à sua exuberante natureza.
No seu longo passado geológico, a Chapada já foi deserto, lago e mar, gerando tipos contrastantes de rochas, como quartzitos, calcários e arenitos. Da mesma forma, acontecem as mais diferentes paisagens naturais, desde tabuleiros e grutas a desfiladeiros e pântanos. E sua história humana foi também contraditória, com surtos de progresso e decadência, com riqueza esbanjada, vingança privada e violência política.
A formação geológica da Chapada é muito complexa, resultando de soerguimentos tectônicos, a partir da distante era pré-cambriana. Seus terrenos foram recorrentemente invadidos pelo mar e sujeitos a processos de deposição de sedimentos. Surgiram desde rochas graníticas a calcárias e sedimentares, o que permitiu a formação de tabuleiros, cânions, vales e cavernas. Que eu saiba, natureza tão variada não é encontrada em nenhuma outra UC brasileira.
O fim do ciclo de mineração causou o empobrecimento da região e fortes antagonismos entre os chamados serranos e baianos. Os coronéis do sertão moveram sangrentas disputas até quase meados do século XX. A partir de então, a economia entrou em decadência e a população em declínio, situação que o recente surto de ecoturismo não foi capaz de reverter. Embora não pareça, esta é uma região pobre, onde poucas vilas cresceram e as oportunidades de progresso são escassas.
Vou começar este relato pelo centro da Bahia, onde estão as regiões de maior interesse. Mas, depois que falar de seu principal Parque, você conhecerá a dimensão maior do que chamo a Grande Chapada.
O centro da Bahia é composto por três sistemas montanhosos. A oeste existe o Planalto do Espinhaço, adjacente ao vale do Rio São Francisco, que corre nas terras do seu lado interior. No centro estão as chamadas escarpas ocidentais, que compõem a Serra das Almas e abrigam as vilas onde aconteceu a mineração de ouro. E, na direita, correm as escarpas orientais da Serra do Sincorá, que limitam o PN da Chapada Diamantina e onde se situam as antigas vilas do garimpo de diamante, que tinham no seu apogeu população superior à de São Paulo.
A altitude das escarpas é capaz de reter a umidade vinda do oceano, contribuindo para uma cobertura verdejante e um clima semi-úmido, que contrastam com a aridez da caatinga que a circunda. Assim, antes e depois, como já se disse, tudo volta a ser sertão. Mas, nela, a vegetação mostra-se variada, desde as matas frondosas das escarpas orientais, aos campos e cerrados dos pediplanos centrais até as caatingas das serras ocidentais.
Na realidade, no centro baiano existem duas Chapadas vizinhas – a de Rio de Contas e a de Lençóis. O degrau a partir do qual ela se eleva fica na borda sudoeste, onde está a bela vila colonial de Rio de Contas. Lá o processo do garimpo surgiu com o ouro nos inícios do século XVIII e durou por um século. As paisagens desta região são mais íngremes, ásperas e rochosas, recobertas por caatingas e contendo as mais altas montanhas do Nordeste. Foi lá meu primeiro contato com a Chapada, quando subi nos seus principais cumes – Almas, Itobira e Barbado, todos eles assunto de colunas.
Já no norte, onde está o PN, o degrau situa-se a oeste, ao longo das escarpas da Serra do Sincorá. Nela a mineração de diamantes iniciou-se mais tarde, em meados do século XIX, na vila de Mucugê. O processo inicial foi curto, com menos de meio século – mas foi depois retomado até o Século XX com a mineração do carbonado. Desenvolveu-se do sul para o norte, passando por Andaraí e Igatu, terminando em Lençóis – que é a vila mais ao norte. Estas duas Chapadas não convivem entre si e só recentemente o acesso entre elas tem melhorado.
A cada uma das Chapadas corresponde uma bacia fluvial, a do Rio de Contas ao sul e do Paraguaçu ao norte. O Paraguaçu recebe todos os cursos que atravessam o Parque, estes correndo sempre no rumo leste, devido ao desnível criado pela Serra do Sincorá. Ele é assoreado, caudaloso e piscoso.
Já o Rio de Contas, que nasce no mágico platô da Tromba, ainda apresenta águas de boa qualidade, sendo a maior bacia exclusivamente baiana. Ambas são grandes bacias isoladas, desaguando docemente na costa atlântica da Bahia, o Rio de Contas em Itacaré e o Paraguaçu no Recôncavo, as duas após 600 km de percurso.
A variedade da geologia é replicada na flora, com biomas diversificados, como mata atlântica, cerrado, caatinga e campo. A região é conhecida pelas florações das orquídeas, bromélias, cactos, sempre-vivas e canelas de ema.
Acho que os campos rupestres, lá chamados de gerais, compõem as paisagens mais interessantes, devido à possibilidade de grandes perspectivas e de montanhas cênicas. Eles recobrem cerca de 2/3 do Parque.
A fauna tem sido muito afetada pela ocupação humana. As espécies de maior porte dos tempos do garimpo, como antas, tamanduás, veados campeiros e tatus canastra, já desapareceram. Outras continuam ameaçadas pela caça – onças, veados, bugios e jacarés.
Gostaria de fazer agora, quase ao final desta série de colunas, uma observação sobre os nossos rios. Ao longo desta travessia pelo Espinhaço, encontrei mais de duas dezenas de rios – desde o Doce e o Jequitinhonha até o Pandeiros, o Peruaçu e o São Francisco.
Sem voz e sem defesa, estão quase todos morrendo, pelo desmatamento de suas margens e captação descontrolada de suas águas, pela poluição urbana ou industrial e pelo assoreamento causado pela mineração, agricultura ou urbanização.
Não há vida sem água e, junto com os rios, morrem nossa história, nossa natureza e nosso futuro. Confesso que antigamente não prestava muita atenção às bacias fluviais. Mas hoje percebo como são vitais: não é só a flora tão visual ou a fauna tão atraente que precisam ser defendidas, é também a água tão escassa.
A seguir, uma das joias da coroa: o Parque Nacional da Chapada Diamantina.