O Perequê Mirim e a Praia do Diabo

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O Pq. Est. Restinga de Bertioga (PERB) é uma reserva situada na Baixada Santista que engloba as bacias dos rios Itaguaré e Guaratuba, criada pra preservar a biodiversidade do maior continuo de restinga local da especulação imobiliária. A área está repleta de atrativos naturebas pouco conhecidos e de facílimo acesso, q dividem espaço com a badalada Riviera de São Lourenço e não raramente situados dentro de condomínios de luxo. Aproveitando então um dia quente de verão pra mais um passeio sussa por Bertioga, o programa da vez consistiu em emendar dois roteiros bem próximos dessa pouco conhecida unidade de conservação: desfrutar dos remansos refrescantes do Ribeirão Perequê-Mirim; e uma perrengosa visitinha a minúscula enseada deserta q atende pelo sugestivo nome de “Prainha do Diabo”, na Ponta de Itaguá.

Retornando antes do previsto do perrenguinho carnavalesco, me vi com o último dia do feriado prolongado livre q decididamente não queria perder, ainda mais com boa previsão meteorológica. Mas, claro, a programação teria q ser algo tranquila e sem demandar muito fisicamente. Afinal, a ideia era recompor o corpo sem necessariamente abrir mão da minha sagrada cota de mato. Imediatamente me ocorreu dar um pulo no litoral de Bertioga, onde algum tempo atrás fomos num piscinão de restinga pensando equivocadamente ser outro, no episódio q ficou conhecido como “Represa do Galo”. Pois bem, munido desta vez com as infos certas chamei a Carol e cia, q topou de cara a parada, pra felicidade da rebenta Sophia e da pulguenta Chiara.

Dessa forma deixamos Sampa não mto cedo e nos pirulitamos pela SP-98 rumo a Bertioga, via Mogi, felizmente sem gde transito. O céu limpo confirmava um dia promissor, ainda mais qdo o véu alvo e imponente da Cachu do Elefante (aliás, palco de mtas aventuras!) era realçado pelo Astro-Rei na sempre bela descida de serra, q praticamente acompanha o Vale do Itapanhaú. No entroncamento com a Rio-Santos (BR-101) tocamos pra esquerda um tempo, sentido Guaratuba. Não tem erro.

Mas ao cruzar a ponte sobre o manso Rio Itaguaré é preciso prestar atenção ás rotatórias q se apresentam no caminho, pq na segunda (quase no km 200) é preciso fazer o retorno à esquerda e adentrar no Condomínio (ou Loteamento) Costa do Sol, onde chegamos as 10:15hrs. Na guarita informamos o destino (no caso, a cachoeira) e recebemos um crachá de identificação. Aqui é bom se informar onde exatamente a queda fica com o porteiro, pq o condomínio é repleto de ruas e fácil de se perder, mas resumidamente basta tocar pela rua R1, fazer o balão pra rua R3 e dali novo balão pra rua P1. Entendeu? Não? Então melhor perguntar no condomínio mesmo.

O fato é q tocando até o final da rua P1 desembocamos numa ampla clareira com uma placa do PE Restinga de Bertioga e uma estradinha de areia adentrando planície adentro. Ali tb tem uma pequena guaritinha do parque onde o acesso a pedestres é liberado mas o de veículos, em tese, não. Como estamos no Brasil, basta dar uma “caixinha” básica q a corrente q barra carros ceda facilmente, condição reforçada pela mocinha (com bebê a tiracolo) q tomava conta do lugar. Dali rodamos quase 4km de areia praticamente em linha reta e cercados de mato rumo ao pé da serra, sentido norte. Aqui é preciso ir devagar pq entre um solavanco e outro surgem nacos de canos de captação salientes no caminho, q dependendo da condição podem furar o pneu.

No final chegamos numa clareira onde já havia outros veículos estacionados, sinal q a muvuca já tava se formando. Ajeitamos as mochilas, alongamos o esqueleto e finalmente começamos a pernada. Do estacionamento logo de cara é preciso cruzar o manso curso d’água ao lado, q nada mais é o Ribeirão Perequê Mirim. Travessia tranquila esta onde a agua mal chega até os joelhos no trecho mais fundo, mas q demora uma eternidade pra espoleta basset Chiara, uma vez q ela q vai ser carregada até o outro lado. Mas vendo q essa possibilidade é remota, num esforço sobre-canino mergulha no rio e mexe freneticamente suas patinhas q a impulsionam à segurança da outra margem.
Do outro lado tem duas trilhas bem evidentes: a da direita é a principal, q leva a cachu principal; já a da esquerda apenas dá a volta pela mata, passa pelo Poço Verde e desemboca na principal, bem mais à frente. Lógico q vamos pela principal, picada q toca sempre na direção noroeste, subindo suavemente e cercada de farta vegetação a sua volta. Não é difícil deduzir q esta vereda – assim como muitas da região – é apenas mais uma trilha de captação de água, o q se confirma na presença constante duma tubulação acompanhando o caminho, ora aterrada ora exposta.

Dando continuidade a pernada tropeçamos com uma vereda q nasce pela esquerda, perpendicular à principal. Esta é a picada do Poço Verde mencionada anteriormente, mas q visitaremos apenas na volta. Logo adiante o som de agua correndo se manifesta na forma dum gde afluente do Perequê q passa a nos acompanhar, ora próximo ora afastado, mas sempre presente. Vários outros pequenos afluentes tb descem a encosta durante o caminho, enchendo os ouvidos do precioso liquido onipresente naquele belo e bucólico vale.

Não demora a topar com a curta picada (a esquerda) q leva à Cachu do Perequê, q decidimos visitar somente na volta. Isso pq a muvuca se anunciava de longe e queríamos algo mais tranquilo e reservado. Por isso nossa pernada prossegue ininterrupta pela vereda principal, mas a medida q se avança a trilha se estreita e aumenta forte em declividade. E tome piramba acima! Os sons relaxantes da floresta misturam a marulhar das corredeiras do rio com as queixas da Sophia diante os mosquitos. A Chiara, por sua vez, arrematava na frente como se fosse a guia do rolezinho da vez. Pra voltar correndo imediatamente, refazendo o mesmo trajeto quase duas vezes.

Por fim, as 11:20hrs alcançamos o final da vereda, onde uma placa proibindo passagem dividia espaço com um enorme e convidativo piscinão natural. Resumindo, estávamos numa gde represa q captava água dos mananciais da serra, no caso, da bacia do Perequê Mirim. Diferentemente da farofada cachu logo abaixo, aqui éramos donos absolutos do lugar e não pensamos duas vezes em nos refrescar com um bem-vindo e oportuno tchibum naquele dia quente e abafado. A Chiara desta vez não quis nem saber e se ilhou numa pedra, já prevendo q seria sapecamente jogada na água. A Sophia, inicialmente cheia de fricotes devido a temperatura da agua, não demorou em mergulhar de vez e mostrar seus dotes de sereia. Sempre sob o olhar atento da zelosa mãe. Difícil mesmo foi depois retirá-la da água.

Revigorados e de estômago forrado, retornamos pelo mesmo caminho e fomos dar um uma visitada na cachu do Perequê, onde chegamos num piscar de olhos. A cachu é formada por uma gde pedra lascada, em torno de 30m de altura relativamente inclinados, formando 3 gdes quedas. Numa delas é possível até arriscar um toboágua natureba, mas não era o caso. Subi ao alto da cachu apenas pra ter uma perspectiva diferenciada e bonita do vale, avistando até a linha do horizonte do litoral de Bertioga. No entanto, nossa passagem pela queda foi breve pq a farofa tava fervendo, e a cada minuto chegava mais e mais gente. Quem sabe uma vista a este belo lugar durante a semana melhore essa impressão inicial.

Nos mandamos rapidinho e demos uma esticada ao tal Poço Verde (ou Poço Limão), pela picada lateral anteriormente avistada. E após menos de 5min em meio a espessa floresta emergimos no supracitado atrativo, q realmente consiste numa prainha fluvial em torno dum enorme poço de impressionante coloração esverdeada q faz jus ao nome. No entanto, este belo lugar tb estava tomado por uma muvuca sem precedentes, com direito até a churrasquinho a beira do rio! A Chiara já abriu o zóio pro “gatinho” sendo assado. Claro, pausa unicamente pra fotos e tchau, tchau!

Voltamos pro veículo satisfeito de ter conhecido aquele belo recanto natureba q, como foi dito, deve ser mto melhor apreciado durante a semana, sem a presença de multidões. Na volta, passamos numa vendinha do condomínio onde adquiri latas geladas do meu sagrado “Gatorade de cevada” e a Sophia pegou um sorvete. Nos despedimos do Loteamento Costa do Sol, mas não sem antes salvar uma cobra atravessando o asfalto. Tadinha, parecia q havia sido recém-atropelada e tinha dificuldade em cruzar a rua. Munido dum galho peguei a peçonhenta, q remexia colericamente sua pele brilhante, e a deixei no gramado do acostamento do outro lado. Boa sorte, cobrinha…

Pois bem, nos encaminhamos então pra segunda parte do rolê, ou seja, a “Prainha do Diabo”, programa q havia feito século passado e queria repetir. Do condomínio tomamos a Rio-Santos (BR-101) e tocamos pra esquerda, ou seja, sentido Boracéia. Mas não por muito tempo, pq após cruzar o largo e manso Rio Guaratuba é preciso atentar a entrada da Ponta de Itaguá. Uma vez nela não tem segredo, só estacionar nalgum canto. Itaguá é uma minúscula vilinha de pescadores no extremo oeste da Praia da Boracéia, tem igrejinha, quiosques, botecos e muitos campings. Um charme pra passar uma tarde, onde chegamos as 14:20hrs.

Uma vez na praia basta tocar pelo costão rochoso q bordeja o sopé do verdejante Morro de Itaguá, rumo oeste. Pelo longo hiato da minha última visitação ao lugar havia esquecido da dificuldade q havia nalguns trechos e, principalmente, da importância de saber horários das marés alta e baixa. Mas ainda assim prosseguimos, firmes e fortes. Vencido o primeiro trecho lajotado veio uma descida por trilha na mata baixa em direção ao sopé do primeiro alto paredão rochoso. Ali a agua já tomava conta parcialmente das pedras na base do paredão e tive q ajudar a Sophia (e carregar a Chiara) de modo a vencer esse trecho.

Na sequência veio um trecho arbustivo e repleto de rochas q bastou contornar, até dar em belíssimas piscinas represadas entre as pedras e a faixa de areia. Uma breve escalada dum “paredón” com agarras firmes foi o obstáculo sgte, onde a Sophia já começou a mudar as feições alegres do rostinho pra outras menos gentis, já quase com os olhos marejados. Após palmilhar o alto de rochedos e ver q o nível de dificuldade só tendia a aumentar, resolvi me adiantar pra ver as reais condições do resto do trajeto, q não era gde não. Isso levando em consideração q o trajeto total não dá nem 700m.

Contudo, avancei na base da escalaminhada até a primeira faixa de areia do trajeto, onde pude avistar o nosso destino e o tamanho da encrenca q seria dar continuidade à pernada. Não devia faltar nem 150m até a tal “Prainha do Diabo”, q reluzia sua pequena enseada dourada sem vivalma, a noroeste! No entanto o trajeto até lá, q em tese seria pelas pedras do costão, já estava sendo totalmente engolido pelas ondas, cada vez mais furiosas. É, realmente a “Praia do Diabo” faz jus ao nome, pois se deve à violência de suas ondas!! Logicamente q não iria expor uma criança (e até a gente) a riscos desnecessários: o de ser carregado pelo mar ou até – mesmo se conseguíssemos chegar na praia –  ficar totalmente ilhados sem poder voltar. Um pescador q já retornava tb desaconselhou prosseguir, cunhando de vez a decisão de voltar imediatamente. É, da próxima vez q quiser “revival” desta praia exclusiva é bom consultar antes a tábua de marés…

Descansamos um pouco próximo da primeira faixa de areia e começamos a voltar, já preocupados com aquele trecho do paredão vertical. No caminho tropeçamos com uma cobra no mato e, de fato, o nível do mar já havia subido um pouco no sopé do muralhão de pedras. Aqui tivemos q esperar o repuxo do mar pra q deixasse visível as pedras onde teríamos de pisar. Mas após este momento tenso chegamos no primeiro trecho de pedras do costão, onde desabamos de cansaço por um bom tempo, pra alegria da Sophia e Chiara. Esta última praticamente desfaleceu sobre as pedras.

Na sequência estacionamos num boteco da vila, onde mandei ver mais brejas no gogó e as meninas puderam trocar suas vestes por outras mais confortáveis. Vazamos dali pouco antes das 17hrs de modo a não pegar o transito do final de feriado, o q felizmente não ocorreu. E assim foi nosso passeio natureba, mezzo sussa-mezzo perrengue, na região litorânea de Bertioga. Lembrando q ao largo das bacias do Guaratuba e Itaguaré tem mais trilhas de captação de água q levam a poços convidativos, como a “Trilha do Sesc”, “do Guaratuba”, “do Itaguaré”, “do Bracaiá”, entre outras.
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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