O que causou o desabamento no canyon de Capitólio?

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Imagens cabulosas de um grande desabamento de rochas no canyon alagado de Furnas, na região de Capitólio em Minas Gerais, inundou as redes hoje. São vídeos chocantes que mostram um pilar rochoso de cerca de 40 metros de altura e muitas toneladas caindo sobre lanchas lotadas de turistas e com consequências desastrosas.

Bom, o vídeo abaixo já mostra bem como foi o desastre e a mídia convencional vem atualizando todos os detalhes e o triste desfecho. Entretanto há sempre a pergunta, o que foi que causou a tragédia de Capitólio?

As causas serão elucidas em um laudo oficial onde haverá a participação de geotécnicos e geológos. Neste momento podemos apenas especular com o conhecimento técnico já consagrado sobre o que poderia ter causado a queda de um pilar rochoso deste tamanho.

O pilar rochoso do lago de Furnas

Para começar, precisamos falar deste pilar que caiu. Trata-se de uma torre de quartzito de cerca de 40 metros de altura separado da escarpa principal do boqueirão por uma fratura, ou seja uma ruptura entre este bloco e a própria escarpa, fazendo com que aquelas toneladas de massa rochosa ficasse equilibrada exatamente por conta de seu enorme peso. Já vários pilares semelhantes ao que caiu, como o da foto abaixo.

Foto de quase 10 anos onde já se observa um pilar semelhante ao que caiu. Forma de relevo se repete no local.

A rocha local é um quartzito, que é uma rocha metamórfica. A história desta rocha é a seguinte: Antes dela ser um quartzito ela era outra rocha, no caso, um arenito que é uma rocha sedimentar. Chamamos de “metamorfismo” quando por conta de pressão e temperatura elevadas há um reestruturação da rede cristalina da rocha e ela se torna outra.

Rochas sedimentares, como é o caso do arenito, que era a rocha “protólita” deste quartzito, apresentam estruturas que contam a sua história de transporte e deposição, isso por que as rochas sedimentares, como o próprio nome diz, são rochas formadas através de sedimentos, restos de erosão de outras rochas que sofrem uma concreção e se tornam novas rochas através de um processo chamado “litificação”.

Um arenito sempre apresenta camadas, que são estratificações que decorrem de episódios de deposição. No Capitólio é comum, mesmo com o metamorfismo, observarmos estas camadas, onde cada uma apresenta uma resistência diferente. Como essa rocha foi formada a milhares de metros abaixo da superfície, durante o tempo que levou para que ela fosse exposta, ela se resfriou e deste resfriamento houve o surgimento das fraturas e juntas, que são “quebras” na rocha e são fatores de fraqueza do quartzito, que é uma rocha muito resistente e dura.

Além destas estruturas já citadas, nos quartzitos há outras características que podem ser herdadas dos arenitos protólitos, como porosidade. Ainda que quartzitos sejam muito menos porosos que arenitos, não se pode ignorar que poros da rocha absorvem água, tornando-a uma verdadeira “esponja”. Além disso, nota-se que topo do pilar há vegetação e solo que também retém bastante água, além das próprias fraturas já citadas.

Os quartzitos não são rochas incomuns, para terem uma ideia, o quartzito é a mesma rocha do Monte Roraima e também das montanhas do Caraça em Catas Altas, além de São Thomé das Letras em Minas Gerais.

Possível causa do desabamento

Há então três coisas que temos que considerar: Uma rocha resistente cheia de fissuras verticais e com camadas horizontais que tem resistências diferentes e absorção da água de chuva que vem ocorrendo há semanas, tornando o corpo rochoso ainda mais pesado.

Minutos antes da tragédia o lago de Capitólio sofreu com uma  cabeça d´água, um aumento rápido e repentino do nível de um rio corrente ou cheio, devido a chuvas nas cabeceiras ou em trechos mais altos de seu percurso. Turistas registraram este aumento repentino de água nas cachoeiras, um fenômeno por si assustador e mortal. Por sorte, as lanchas estavam distante das quedas d´água, mas o pilar rochoso não.

Momento em que pilar desaba sobre turistas.

O aumento repentino do volume de água das cachoeiras aumentou o turbilhonamento das águas da represa, uma espécie de redemoinho, provocando vibrações na estrutura rochosa que jazia equilibrada na escarpa e possibilitando o solapamento de camadas inferiores e mais frágeis da rocha, que começaram a se desprender devido ao excesso de peso ocasionado pelo armazenamento de água nos poros após dias de chuva nas partes superiores.

O pilar não caiu sem dar avisos. Os locais perceberam a rocha se fraturando, que provoca estalos seguido do barulho da queda dos pedaços de rocha na água. Infelizmente as pessoas não se afastaram a tempo, fazendo com que este fenômeno natural virasse uma tragédia.

Claro que esta análise ainda é premeditada, devemos aguardar o laudo oficial do serviço geológico para termos a certeza do ocorrido.

No entanto, o que temos certeza é que este fenômeno não é incomum e recentemente pudemos observar ele acontecer em outros pontos do mundo, como a queda do Arco de Darwin nas ilhas Galápagos no Equador e o Penedo da Ursa em Portugal, que mesmo sendo formas de relevo formadas por rochas diferentes, desabaram por conta de eventos parecidos.

Para finalizar, presto minha solidariedade à família das vítimas deste terrível acontecimento.

Como caiu paredão rochoso em Capitólio. Arte Rubson Pinheiro Maia, Fonte União da Geomorfologia Brasileira (UGB).

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Escarpa desaba sobre turistas em Capitólio – AltaMontanha

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

30 Comentários

    • Veja a legenda da foto “Foto de quase 10 anos onde já se observa um pilar semelhante ao que caiu. Forma de relevo se repete no local”

      • Que conhecimento professor 👍 desculpa a ignorância. Foi criada em 22 de janeiro de 2020 a delegacia fluvial será que tinha ou tem esse conhecimento?
        Outra pergunta pôde fazer churrasco nas lanchas?
        Parabéns pelo saber

        • Olá Angela. Aqui no Brasil temos profissionais excelentes que poderiam emitir um relatorio e fazer um planejamento para que o turismo ali fosse seguro. Infelizmente nosso serviço geológico vem sido desmantelado e assim a gente não consegue mais prever, apenas remediar. Triste.

      • Boa Noite/Bom Dia!
        Essa formação rochosa me lembrou muito as Palisads do Rio Hudson nos EUA (Connecticut/NY). Lá , de vez em quando desaba tb.

  1. Graça Montenegro em

    Obrigada pela explicaçao tecnico/cientifica. Acabo de saber do desabamento, em telejornal da RAI, na Italia, queria obter maiores informaçoes e as tenho, agora. Sentimentos às familia das vitimas, lembrando que o monitoramento de lugares atraentes e perigosos poderia poupar tantas tragédias.

    • Boa Noite
      Professor parabéns pelas suas explicações, as fortes chuvas ocasionadas na região, contribuiram para que esse fato viesse a ocorrer!
      Infelizmente essas pessoas estavam fazendo duas excursões, e um desastre natural acabou com alegria de todos ali.🤦‍♂️

  2. Além dos detalhes físicos a se analisar como fatores de perigo a visitação de turistas é preciso considerar também o exagero do espetáculo. Infelizmente muitos utilizam isso para captar momentos inusitados e isso, antes de qualquer coisa, é perigoso.
    No entanto, tragédia é sempre ruim.

  3. Francisco Assis de Lima em

    Essa foto em cima é de 2012 , tem quase 10 anos , e veja o que está escrito na foto , a natureza manda recados mas poucos enxergam , o rio estava baixo , essa pedra já estava caindo , ele tirou essa foto , provavelmente com a vibração dos motores das lanchas que em finais de semana e feriados chegam a entrar de 15 a 20 lanchas dentro do Canyon , e lá é um lugar fechado , um buraco , e tem só uma saída , as vibrações dos motores das lanchas não tem por onde ecoar , então foram provocando vibrações dos motores das lanchas e a pedra foi rompendo lentamente do paredão , e ainda mais com a quantidade de chuvas que caiu esses dias , tragédia anunciada ! Os barqueiros já deveriam ter visto e acionado as autoridades competentes ou mesmo um geólogo para anilisar o rochedo ou mesmo implodi-lo , ai evitaria uma tragédia desse tamanho !

  4. Bem pelo que eu vi na tv, já tinham anunciado a cabeça d’água, porém deveriam ter proibido as visitas no local, outra coisa é as pessoas só pensam em se divertir, esquecem que em janeiro sempre tem trágicos episódio em local com água, meu Deus com chuva, o povo ainda se arriscam, para que?? Coincidência ou não o nome da lancha era Jesus…. Mais uma vez digo e é bíblico, o homem se destruirá com sua própria inteligência

  5. José Antônio da Cruz filho em

    Acontece e um acidente não tem como definir só a natureza pode definir está situação meus sentimentos as famílias das pessoas que morreram 😢😞 Deus tenha misericórdia 😔😢 dessas famílias 😢🙏.

  6. Elizabeth Paiato cruz. em

    Acontece e um acidente não tem como definir só a natureza pode definir está situação meus sentimentos as famílias das pessoas que morreram 😢😞 Deus tenha misericórdia 😔😢 dessas famílias 😢🙏.

  7. Com água não se brinca.
    Todos usavam capas de chuva.Sinal que chovia naquele local.
    Muita imprudência por parte dos turistas.
    Levando crianças e chegando tão próximo a cachoeira.
    Meu Deus!

  8. Maria da Goria em

    Excelente explicação! A partir dessas iniciais foi dar partida a um trabalho da faculdade (Geologia Geral) sobre movimentação de massas

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