A peste bubônica é transmitida pela mordida da pulga, que causa febre violenta e formação de gânglios. Se não houver tratamento, em apenas dez dias pode matar talvez 2/3 das pessoas infectadas. Houve três grandes surtos desta doença no mundo, os dois primeiros nos séculos VI e XIV, eliminando cada qual possivelmente 50 milhões de pessoas – no segundo, talvez três em cada sete europeus faleceram.
Mas o que nos afetou foi o terceiro surto, surgido sabe onde? Na China, em meados do século XIX – e não longe de Wuhan, onde surgiu o Coronavírus. Avançou lentamente até os portos daquele país, alastrou-se para a América do Sul e atingiu o porto de Santos no último ano do século. Foi trazido por ratos embarcados, que infectaram os ratos locais da região portuária.
Naquela época, como nesta, a desinformação era enorme. Mas existia então a grande presença de Vital Brasil (1865-1950), médico sanitarista que veio a desenvolver um trabalho notável no Instituto Butantã, por ele criado. Apesar dos ilustres antepassados, Vital Brasil estudou com muita penúria, até poder formar-se no Rio de Janeiro. Foi ele quem desenvolveu, entre outros, os soros antiofídico e antitetânico.

Participou do combate – Fonte: Divulgação.
Os santistas chamaram-no para intervir na cidade e um médico de pouco mais de 25 anos integrou junto com ele a comissão sanitária: Oswaldo Cruz (1872-1917).
Ele tinha acabado de retornar de três anos de um estágio no Instituto Pasteur da França, instituição ainda hoje de vanguarda. Rapidamente controlou a situação, incendiando as casas contaminadas, isolando os infectados, vacinando a população e desratizando a cidade.
Em pouco mais de dois meses a peste foi debelada e Oswaldo Cruz passou a organizar o combate à peste em outros portos brasileiros. Começou então sua brilhante trajetória.
Mas antes de conhecer sua ação sanitarista, quero lhe contar sobre a situação de calamidade do local onde Oswaldo Cruz se projetou: o Rio de Janeiro, então a capital federal.
Durante muito tempo, o Rio foi considerada uma das cidades mais contaminadas do mundo. Uma das principais razões foi a explosão demográfica – veja que, por volta de 1700 lá viviam apenas 4 mil pessoas. Cerca de 60 anos depois, Salvador deixou de ser a nossa capital e o Rio já tinha então 40 mil residentes.
A chegada da família real no início do século XIX encontrou o Rio com 60 mil pessoas, e mais quase 15 mil da corte portuguesa transferida para cá. Cerca de ¼ da população teve de se mudar para a periferia, para que os portugueses fossem alojados. Quando Dom João VI deixou o país pouco depois de dez anos, a capital contava com 150 mil habitantes; mas, na virada do século, a população ultrapassava 800 mil.

A Praia de Botafogo – Fonte: Divulgação.
No começo do século XX, a situação era tão absurda que a mortandade superava a natalidade. A presença de um porto ativo e o ingresso de escravos africanos, a falta de saneamento e urbanização adequados, o relevo difícil e o clima sempre quente e úmido tornavam o Rio um inferno.
A febre amarela aparecera meio século antes, sem nunca ter sido debelada. A ela se somavam a varíola, a tuberculose, a rubéola e, finalmente, a peste bubônica. E, logo em seguida, a gripe espanhola assolou a cidade, bem como outras capitais. Num país que tinha 1/7 da população de hoje, essa pandemia causou 35 mil mortes, inclusive a do Presidente Rodrigues Alves.

Vista do Centro. Ele reformou o Cais do Porto. – Fonte: Divulgação.
Mas esta história tem talvez um final feliz, quando a reurbanização do Rio empreendida pelo Prefeito Pereira Passos elimina os cortiços, cria praças e bulevares, rasga grandes avenidas e conecta o Centro à Zona Sul. Sob o custo da relocação da população pobre do Centro, o Rio torna-se agora a Cidade Maravilhosa.
Oswaldo Cruz sabia que a importação de vacinas seria demorada e conseguiu que um instituto fosse criado para produzi-las. Ele passou a dirigi-lo – hoje ele leva o seu nome, é a Fiocruz ou Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos no Rio. A Fiocruz continua sendo uma das principais organizações de pesquisa de saúde no mundo.

A Sede da FioCruz – Fonte: Divulgação.
Foi nomeado aos 30 anos diretor geral da saúde pública, equivalente hoje a Ministro da Saúde, com a missão de erradicar a varíola e a febre amarela no Rio. Montou batalhões para eliminar os focos de mosquitos transmissores. Sua equipe simplesmente vistoriou 65 mil locais, como focos de larvas, calhas e ralos, tonéis e lixeiras.
Fez o governo decretar a vacinação obrigatória, o que causou revolta popular, com a quebra de todos os lampiões da cidade e inúmeros presos, feridos, deportados e até mortos. Repetiu no Rio sua estratégia agressiva contra a febre bubônica, com isolamentos e vacinações maciças.

Os chamados mata-mosquitos. Eles higienizavam bueiros – Fonte: Divulgação.
Seus funcionários eram obrigados sob pena de demissão a apresentar 150 ratos mortos por mês, com prêmios por excesso desta cota. Isto gerou a atividade dos ratoeiros, que compravam e traziam de longe esses animais a baixo preço ou até mesmo os criavam, para lucrar no seu comércio.
Oswaldo Cruz foi alvo de críticas e deboches, e deixou a diretoria da saúde em 1909, apenas seis anos depois de assumi-la. Mas, com sua ação eficaz e enérgica, o Rio estava saneado. Em São Paulo, foi praticada uma medida diferente: a mistura de cachaça com mel e limão. Embora nada eficaz, ela se popularizou como a bebida chamada desde então de caipirinha. Em São Paulo, então uma vila pequena, as mortes foram apenas uma fração das do Rio.

Oswaldo Cruz passando o pente – Fonte: Divulgação.
Depois disso, Oswaldo Cruz comandou viagens sanitárias pela Amazônia, assunto ao qual voltarei. Reformou nosso código sanitário e reorganizou todos os órgãos de saúde do país. Mudou-se para o clima ameno de Petrópolis, onde foi escolhido prefeito e preparou um grande plano de urbanização. Tendo salvo tantas vidas, não conseguiu salvar a sua e nem implantar o seu plano, morrendo em 1917 – um homem ainda com 44 anos, admirado em todo o mundo.