Em 2003, quando descia as encostas vertiginosas do Ibitirati, inaugurando a Face Leste do Pico Paraná, algo me chamou a atenção. Uma pequena figura geométrica, retangular, brilhante, ao longe. Lembrava algo familiar, e observando mais cuidadosamente, notei com espanto ser parecida com as insólitas placas do Ciririca – Mas que diabos é isso? – Me perguntei.
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“Todo homem é uno quanto ao corpo , mas não quanto a alma” . Esta é a concepção expressa por Hermann Hesse em “O Lobo da Estepe” . Pois bem , há algum tempo venho me preparando física e psicológicamente para o encontro com as tão sonhadas placas do Ciririca , nesse último final de semana a oportunidade surgiu.
Uma travessia é coisa fisicamente muito simples, basta iniciar a caminhada em um ponto qualquer do mapa e terminá-la em outro, preferencialmente bem distante do primeiro, mas montanhismo não é um esporte qualquer. Montanhismo é antes de tudo uma filosofia e então as coisas se complicam. Aos que discordam aconselho parar esta leitura e investir suas energias na Corrida de Aventura.
Por que a Alfa Crucis é a maior e a mais difícil travessia do Brasil?
Os montanhistas Elcio Douglas Ferreira e Jurandir Constantino realizaram a maior travessia entre montanhas no Brasil, fazendo 44 cumes em 102 quilômetros de trilhas na Serra do Mar paranaense.
Trocadilho proposital com o filme, mas sem intenções maliciosas, o título do texto visa compartilhar com os companheiros de plantão uma aventura sem perrengue, rápida, sem dificuldade, sem peso, sem litros e litros de água, sem neve, sem nevasca, sem gelo, sem greta, sem congelamentos, sem transporte 4×4, sem grande altitude (baixo até pra solo brasileiro), mas com MUITA beleza. Serra do Capivari, 69kms a norte de Curitiba, Paraná, em julho de 2012. Momento em que dois amigos montanhistas só buscam a beleza da montanha, e não a superação. Boa leitura, bom divertimento.
Sempre pensei em fazer algo diferente mas achava que faltava experiência, até que um dia estava revendo as fotos de montanha com a esposa e ela simplesmente me deu uma sacudida, me falando que não entendia como eu não procurava algo maior para fazer. Só no Ibitiraquire eu já tinha passado por: um ciclone extratropical que destruiu minha barraca, temperaturas congelantes e fora todas as noites em que me embrenhei na mata sozinho…
Planejamos acampar ali justamente para que os três que faziam a travessia pela primeira vez – Hilton, Jurandir e Leandro – pudessem apreciar com calma o trecho mais bonito e perigoso do alto curso do Rio Mãe Catira. O Hilton pede dez minutos para tratar de assuntos pessoais e acaba por nos expulsar daquele santuário antes da hora. Descemos em direção às nascentes do Rio Mãe Catira conscientes de caminhar por ele nas próximas quatro horas antes de finalmente poder deitar o esqueleto no chão plano. A encosta inicia muito inclinada, suja e úmida, mas bastante fresca e livre das mutucas, depois começa a verter água e recebe pequenos tributários. Aos poucos vai se alargando e há lugares em que toda a água some para reaparecer somente muito à frente. Com maior fluxo e profundidade, também as pedras ficam mais lisas e as botas acabam por mergulhar dentro d”água. Quando os pés já chafurdam dentro das botas pouco se liga para as composturas e se anda mais relaxado.
Calor de 35ºC, sol a pino e as butucas voando alucinadas, zumbindo como abelhas, picando como escorpiões. Incontáveis, a cada tapa morriam seis. As roupas encharcadas e a face escorrendo suor. Descia da testa passando pelos olhos, salgando os lábios. Grandes gotas se desprendiam dos cabelos. As pernas estavam boas e a respiração compassada, mas sentia um profundo mal-estar, uma zoeira difusa apesar da visão ainda nítida. O Hilton foi o primeiro a perceber e me ofereceu uma barra melecada de cereais com chocolate derretido para repor o nível de açúcar no sangue. Foi o suficiente para alcançar o cume do Luar ao meio-dia do sábado de carnaval.