Um Focinho e Dois Tontos

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Se você tomar a estradinha do Vale do Paraíba que sobe de Piquete para o interior mineiro, notará depois desta cidade uma formação vertical com um cume agudo. Chama-se Meia Lua e é uma das seis principais montanhas que integram a Serra dos Marins. Conheci em Piquete o Seu José e fizemos juntos a agradável e sombreada trilha desta montanha.

Crista do Focinho de Cão (Fonte – Angelo Geron Neto)

Ele desejava um boné com o logo de uma associação que não me lembro mais qual. Depois de muito procurar, tive a sorte de achar o tal boné. Eu queria subir o Focinho de Cão, uma espetacular pirâmide debruçada sobre a vila, mas precisaríamos passar pela propriedade de uma fábrica do Exército. Tendo sido funcionário lá, ele me disse que obteria a permissão. Combinamos então uma manhã de sábado.

Eu quis fazer uma surpresa e apareci na noite anterior no portão de sua casa. Toquei a campainha e acenei com o boné por cima do muro, pedindo que adivinhasse quem eu era. Um tonto fazendo graça assim de noite só pode ser você, Alberto!, ele respondeu.

Focinho de Cão, Serra dos Marins, Piquete, SP

No dia seguinte, notamos as pegadas de um calçado no início da trilha. Mas elas só subiam, não havia o par de pegadas descendo. Começamos a investigar melhor as marcas. Até que meu amigo concluiu: É um caçador que se disfarçou, desceu com o pé ao contrário, pisando na própria pegada. É outro tonto querendo enganar a gente!

Acho que você está achando esta história meio esquisita. É porque pegadas hoje não são tão válidas, antigamente numa sociedade radicada na terra eram testemunhos importantes. Lampião usava este artifício do pé trocado para iludir a polícia, e sobreviveu por décadas.

Só então para concluir: o Focinho de Cão é uma trilha excepcional, vai se tornando inevitavelmente mais íngreme, até seu aclive final quase intolerável. O panorama do vale é o mais bonito que conheço em toda a Mantiqueira.

Trilha de Rafael Santiago para o Focinho de Cão

As pedras mais baixas (como esta) têm em geral vistas muito bonitas. Além disso, ela fica numa posição de lado, com uma angulação única, parece que se observa aquele vale infinito de dentro de uma nave espacial. Vale a pena ser um tonto para desfrutar de tanta beleza.

Mas você deve estar curioso acerca destes seis cumes da Serra dos Marins. Bem, dois você já conheceu neste comentário. Outros dois, os Picos dos Cabritos e do Ataque, só são altos porque partem de platôs muito elevados, suas subidas sendo bem curtas e banais.

As Altitudes da Serra dos Marins

Os demais são os formidáveis Marins e Itaguaré, que compõem uma crista maravilhosa que pode ser percorrida em dois ou três dias. Esta serra faz parte do espigão mestre da Mantiqueira, sendo o primeiro de seus três principais maciços – os demais sendo a Serra Fina e o Itatiaia.

Cume do Marinzinho à frente do Marins, Marmelópolos, MG

Já falei desta travessia quando comentei sobre outras parecidas. Eu a fiz junto com o Joãozinho, com quem tinha me encontrado ao longo dos anos, para vencermos as montanhas da região. Morava em Piquete e era casado com uma mulher que tinha uma sorte incrível em sorteios, já havia ganho uma casa e um carro. Quando se separou dele, levou-os todos.

Panorama visto do Morro dos Cabritos, Delfim Moreira, MG

Se você quiser visitar essas montanhas estupendas, escolha o mês de maio. É quando acontece o concurso de Miss Marmelópolis na vila de mesmo nome, em que competem moças de duas dezenas de municípios próximos. Modernizaram agora o título para Miss Alto da Mantiqueira.

A cidade não concorre, pois o julgamento é sempre lá – no Marmelo´s Club – e não pode haver suspeita de marmelada. Se tiver a mesma sorte que eu, pode até ser escolhido como jurado. E, se você duvidar, tenho fotos das misses – mas não se entusiasme, pois não estão de maiô.

As Misses de Marmelópolis (Fonte – Divulgação)

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

2 Comentários

  1. alberto, belo relato. pergunto: como um montanhista genérico como eu, morador do rio e sem conhecimento em piquete, poderia fazer essa cordilheira? serra fina (2x), marins-itaguaré (2x), itatiaia (Xx), já fiz alguma coisa nesse pedaço. o fato de ser em área militar, e de eu não ter um boné prometido para ninguém, são impeditivos ou só dificultadores? abraço naturalista, a.

    http://www.facebook.com/angelodesouza http://www.instagram.com/antonio_angelo_de_souza

  2. Olá Alberto.. E sou o autor da foto da “crista” do Focinho de Cão que aparece no seu relato. O problema é que a foto e o pico, nao é o mesmo Focinho de Cão que fosse subiu, que fica em Piquete, inclusive, pelo q sei, avistável da cidade. O Focinho de Cão da minha foto é visivel somente a partir do povoado dos Marins, bairro que fica as pés do maciço do mesmo nome. Abç

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