Guaraqueçaba-Batuva-Ariri-Superagui

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Travessia de bicicleta passando por Guaraqueçaba, Batuva, Trilha do Telégrafo, Estrada do Ariri, Vila de Ariri, Barra do Ararapira, Praia Deserta na Ilha de Superagui, Vila de Superagui e Paranaguá.

Início do inverno de 2001
O Pulso ainda pulsa! – Guaraqueçaba 13/06/01
Fomos a Paranaguá de carro e deixamos a simpática “Ipanema” na loja de acessórios do Sr. Satoro Kubota. Repensamos a bagagem procurando reduzir volume, sacrificamos os sacos de dormir e partimos no barco de linha, às 13h00 rumo a Guaraqueçaba.
Estávamos em busca de um feriado com muita natureza selvagem, inclusive a nossa própria já um tanto mascarada pela vida urbana e a bicicleta é uma boa desculpa para este encontro. O trajeto ainda não estava bem definido, um certo ar de insegurança ainda pairava sobre cada um dos integrantes desta equipe.
Estaríamos preparados fisicamente? Estará muito molhado o caminho? Haverá tempo suficiente para ir até Maruja? Será que não veio “mala” demais?
Os três integrantes da “equipedalada” se conheceram no fim do inverno de 2000, fazendo uma aventura de bike desde Iguape (Sp) até Guaraqueçaba (Pr), passando pela Trilha do Telégrafo, para onde pretendíamos retornar agora, no início do inverno de 2001.
Renato Ricetti Filho, 35 anos é o mentor do percurso e já esteve na Ilha de Superagui, Ilha do Cardoso e Ilha das Peças no verão, procurou reunir trilhas de floresta e praia, pois não gosta de pedalar no asfalto. Oscar Maurício Ferreira, 31 anos tem feito longos percursos solitários de bike pelo asfalto e está tentando habilitar-se em todo tipo de terreno. Eu, Josete de Fátima de Sá, 36 anos, tenho um encantamento pela Ilha de Superagui, fiz o percurso das ilhas também no verão, gosto dos pedais, mas principalmente dos desafios.
A viagem durou 3hs e foi agradável apesar do barco estar muito cheio, em uma tarde ensolarada, porém não estava quente. Assim que desembarcamos no trapiche testamos a primeira viagem com a carga no bagageiro, pedalamos até a Pousada Chauá do sr. João Amadeu, um dos responsáveis pelo GAIA, a ONG da Reserva Ecológica do Sebuí.
Fizemos um lanche e depois fomos pedalar pela cidade a fim de obter informações sobre o caminho do Batuva – Ariri, queríamos ter uma idéia da quantidade de lama que teríamos de enfrentar. As notícias foram sempre incentivadoras, principalmente porque as pessoas ficam entusiasmadas quando sabem de ciclistas aventureiros. Vimos um belo pôr do sol no caminho que tomamos por uma ruazinha ao lado do museu, a noroeste, indo para o bairro dos pescadores até entrar na mata, aproximadamente uns 5 quilômetros. Brincamos nas ladeirinhas pedregosas e pudemos observar o povo, além de fazer um bom aquecimento para depois desejar uma cervejinha bem gelada.
Na pousada encontramos mapas, fotografias aéreas e paisagísticas, livros históricos da APA (Área de Proteção Ambiental) de Guaraqueçaba e até um detalhado atlas mundial que me fez “viajar” até o Reino Unido e Austrália. Estava pronta, totalmente desligada da rotina e com vontade de ir ao encontro de aventuras.
Acordamos cedo para o café da manhã, com bom humor e energia. Pareceu que a nebulosa de dúvidas estava se dissipando. Assistimos o jornal da manhã que, além de informar que teríamos um feriado de tempo bom, noticiou também a despedida a Marcelo Fromer, um dos integrantes da banda Titãs. A “saideira” do artista ainda foi deixar órgãos saudáveis para a continuidade de outras vidas, assim: o pulso ainda pulsa! Nossa homenagem é seguir adiante, aceitando os desafios, afirmando que a vida não para (Lenine), pois é tão rara!
Gaúcho faz xiximarrão! – Batuva 14/06/01
Partimos as 8h00 pela PR-470 que liga Guaraqueçaba a Antonina, cerca de 12 km até a entrada para Batuva. Os 18 km seguintes eram de caminho pedregoso, mas plano. Sentimos falta de suspensão nas bikes.
Próximo das 10h00 estávamos começando o caminho que leva à Trilha do Telégrafo. A paisagem é extremamente agradável, as serras ao redor, as bananeiras, o cheiro das flores na mata atlântica. O caminho é feito de rampas bastante íngremes, cheio de pedras.
Oscar, o gaúcho, vai na frente cantarolando, vai encarando as “lombas”. Depois de uma subida fatigante surge um “downhill” animal e o Renato fica com vontade de curtir aquela rampa, mas lembra que a velocidade triplica com o peso da bagagem e limita-se a empurrar a bike. Cruzamos alguns rios ou, talvez seja o mesmo que nos encontra de trecho em trecho. Todo o malabarismo é pouco para manter os calçados secos.
Por volta do km 4 desta trilha encontramos o marco de divisa dos Estados Pr-Sp. Agora faltam apenas 3 km até a fazenda do Sr. Henrique onde pernoitaremos. O barro escorregadio começa a se tornar constante e, somado as rampas íngemes, a “lanterninha” do time acaba pedindo trégua para a corda abençoada que o Oscar trouxe. Rimos e brincamos mesmo com as dificuldades, ficamos observando as componentes de força que aplicamos para içar a minha bike e ele relembra dos seus alunos com exemplos práticos de física.
De vez em quando encontramos nativos que nos perguntam até onde vamos e, então comunicam que a Trilha do Telégrafo esta bem melhor agora, principalmente do Sr. Antonio pra lá e do Sr. Porfírio pra diante então, é mel na chupeta! Ficamos bastante entusiasmados e chego a planejar a esticada até Ariri sem parar no Sr. Henrique. Os guris sorriem do meu otimismo. Gostaria muito de chegar a tempo de poder passar o dia em Marujá. Que lugar aquele! Algo de especial!
De repente uma manada de búfalos vem no sentido contrário, tocada por dois rapazes. Ficamos encolhidos a beira do caminho enquanto os dóceis animais passam apenas nos observando. Finalmente, depois de um “uphill” pra matar, podemos de cima observar o terreno do Sr. Henrique.
Passam das 14h00 e levamos mais de 4 hs para fazer os 7 km. Seguimos até a casa para nos apresentarmos e como no inverno passado, somos bem acolhidos por ele e sua filha Cristiane, uma garota de 14 anos com quem havia feito amizade. A primeira pergunta foi do paradeiro do cãozinho que nos acompanhou de Ilha Comprida até ali no ano passado. Cristiane nos contou que morrera a menos de um mês, mas que sua curta temporada em Batuva foi coroada de êxitos. Era bom caçador, incansável nas empreitadas do sr. Henrique, principalmente quando o assunto era quati.
Lavamos as bikes e montamos as barracas, nos lavamos também e antes das 18h00 as brumas começaram a baixar, apesar disto a temperatura não caiu muito. O banho é certo, foi “banho de gato”, o rio estava muito gelado e certamente alguma dobrinha ficou encardida, mas sem maiores conseqüências. Cristiane foi muito companheira e excelente anfitriã. Fomos bastante ágeis para distribuir as funções para o jantar. Renato foi o “mestre cuca”, carreteiro com tutu de feijão.
Cristiane e o Sr. Henrique juntaram-se a nós, nos fartamos, conversamos e rimos. Cantamos músicas gaúchas e fizemos charadinhas: “O que é uma velha corcunda com um pau na bunda?” Só não lembro do céu, por isto creio que estava nublado e sem estrelas. Eu não passaria imune a um céu iluminado mesmo na lua negra.
“Com a vida, o tempo / A trilha, o sol / Um vento forte
Se erguerá arrastando o que houver no chão
Vento negro / Campo afora / Vai correr
Quem vai embora tem que saber, é viração” (Fogaça)
Os guris trocaram gentilezas durante o dia inteiro, sempre solícitos um com o outro, longe da frieza da vida urbana. É claro que ambos foram assim para mim também, mas eu não conta, afinal sou a terça parte da equipe e única peça com mais moedas “Yin” para trocar, eles ambos com mais moedas “Yang” se espantavam quando se percebiam trocando moedas “Yin” entre si. O “Yin” é receptivo, cooperativo e intuitivo, a integração. O “Yang” é exigente, agressivo e competitivo, a auto afirmação. No entanto todos viemos em busca da consciência do meio ambiente, que é uma característica “Yin”, portanto em busca do equilíbrio das duas forças, o “Yang” em excesso da vida urbana estava sendo abafado.
Foi um tanto divertido observa-los, mesmo quando discutiam para decidir quem era mais urso durante o sono, diga-se de passagem, uma atitude bastante “Yang”. O “Yin” não faz caso deste pequeno detalhe.
Amanheceu e o povo dos quatro jipes que chegaram a noite já se movimentavam antes das 7h00. As brumas ainda eram muito densas, o que explica a razão de tanto frio na madrugada. Chamei os guris que, apesar do bom humor, demonstravam que a noite não tinha sido fácil. Os sacos de dormir fizeram falta, talvez tenha me saído menos pior com a manta térmica, mas vou logo avisando que é alternativa interessante somente para uma emergência.
A Cristiane veio me dar uma força no equilíbrio do “Yin-Yang” e logo cedo nos acompanhou no café. Na noite havia cantado a musiquinha do gaúcho que não é gente não. Ela gostou e repetiu mudando as rimas quantas vezes pode. Pobre Oscar Maurício!
O Ariri é logo ali! – Ariri 15/06/01
Partimos da fazenda do Sr. Henrique as 10h00, tendo consciência de que este atraso de 2 hrs acarretaria algum prejuízo no trajeto. Juntamos o lixo não orgânico que produzimos para deixa-lo no Ariri. Talvez os detalhes da arrumação feminina para que minha “Penélope Charmosa” saísse impecável tenha custado parte do atraso.
Três dos jipes já haviam passado o rio que cruza a propriedade do Sr. Henrique, assim passamos a expedição logo neste primeiro obstáculo, antes que detonassem o caminho. Cristiane nos acompanha e se despede neste ponto. Os primeiros trechos de lamaçal estavam começando, mas a s bikes ainda podiam rodar amistosamente. Andamos 1 km e encontramos um rio par o banho matinal. Oscar e Renato só faltaram mergulhar nas águas geladas, mas eu preferi fotografá-los.
Continuamos a trilha e a lama vai se tornando cada vez mais constante. Parece sabão de caboclo que vai grudando nos pneus e engrenagens das bikes. Ainda conversamos e brincamos e a cada rio paramos para tirar a areia das meias.
Oscar vai a frente puxando o ritmo, às vezes alterna com o Renato para me dar alguma instrução ou pedir um pouco mais de força. Estou mais desgastada do que eles. Em poucas ocasiões consegui passar a frente neste tipo de terreno.
Aos poucos vamos ficando cada vez mais silenciosos e compenetrados em nossos próprios pensamentos. Algumas vezes nos distanciamos uns dos outros e procuramos soluções particulares para sobreviver ao trajeto. Às vezes paro alegando muito barro nos freios, mas na verdade é desculpa para respirar e recuperar o fôlego. Algumas vezes fico observando o Renato, a minha frente na fila, ele ainda tem as luvas limpas e se vale de algum graveto para limpar os freios e engrenagens. O Oscar não estava no meu campo de visão, mas quando podia vê-lo, percebia que de tempos em tempos, parava para olhar ao redor, respirava e se concentrava. Quando fazia isto conseguia mais velocidade na caminhada. Procurava olha-los para evitar atoleiros enganosos e observava as técnicas que utilizavam para sair da lama até a altura dos joelhos.
A minha bike já estava sem odômetro desde o dia anterior, por isto tinha que me basear nas observações dos amigos. Neste trecho ficou proibido perguntar a quilometragem, pois só o tempo é que passava. Depois de lutar com 5 ou 6 lagos de lama, o odômetro registrava apenas 500 m dos 12 km que precisávamos vencer antes do anoitecer.
Antes de chegar ao poste de telégrafo, na bifurcação da trilha, havia uma curva fatídica. Um pouco antes de avista-la, o Oscar, que havia tido bastante dificuldade nesta lagoa de lama e via o Renato afundado nele, olhou-me e pediu para esperar que retornariam para me ajudar assim que o Renato escapasse dali. Eu estava agoniada, sem perspectiva de caminho, mas a preocupação dele me fez recuperar o ânimo. Fazendo uma prece  à Senhora da Terra consegui achar terreno firme por um bom trecho na direção deles. Ainda assim os dois voltaram para puxar minha bike de aço, comida e cremes de beleza. Me senti um pouco envergonhada e “meio mala”.
O Oscar disse que eu tinha de perder o medo de enfiar as mãos na lama, mas não tinha retirado minha pulseira de ouro até aquele momento. Nesta parada optei por retirar e guarda-la. Após a curva, quando observamos que havia outro mar de lama e só tínhamos vencido pouco mais de 4 dos 12 km, o desespero bateu. Cada um ficou mais introspectivo, pensando nos motivos que nos levaram até aquela situação. Não valeria a pena retornar, o sacrifício seria o mesmo. O Renato comentou, à noite, que passou por sua cabeça abandonar as bikes e sair dali de qualquer jeito. O Oscar não deixaria sua bike de jeito nenhum e por isto se concentrou e mandou ver o que pode.
Logo adiante o lamaçal ficou pior ainda. Eles se distanciaram e me desesperei, olhei o Renato apreensivo e não mais agüentei, gritei para que não me abandonassem. Ele respondeu que colocaria a bike em solo firme e retornaria imediatamente. Fiquei parada, entregue, precisava de ajuda. Pouco tempo depois retornaram os dois, Renato parecia flutuar no atoleiro e ter alcançado fôlego novo. Pegaram a “Penélope” e rapidamente a transladaram. Fiquei tão mole sem a bike para me apoiar que caí com os braços na lama.
Conseguimos finalmente escapar deste trecho crucial e chegamos ao poste do telégrafo, na bifurcação, quando já passavam das 14h00. Respiramos e voltamos a falar. Comemos uma barra de cereais, muito isotônico e contamos 5 km concluídos, então me lembrei que deveríamos cruzar por uma porteira dali a 1 ou 2 km.
Ainda enfrentamos mais um bom trecho de lama e necessitamos parar para reabastecer, agora com as feições bem mais tranqüilas. Sentados sob uma árvore conversamos sobre as dificuldades que tivemos, o que sentimos e neste momento éramos iguais, decididos a continuar, acreditávamos em nós mesmos e sabíamos que tínhamos uns aos outros como apoio. A natureza nos envolvia completamente.
Logo surgiu a porteira e continuamos o caminho ainda sobre a lama. Chegamos à propriedade do Sr. Antonio e outras casas surgiram. Nada mais perguntamos aos nativos, pois só agora entendemos o quanto são otimistas a respeito de seus caminhos. Os guris lembravam de um rio mais largo que atravessamos após 3 km da encruzilhada do Ariri, quando fizemos esta trilha abençoada no sentido inverso no ano anterior. Alcançamos este rio já próximo das 16h00 e ainda faltavam 3 km, mas até o Sr. Porfírio tinha que diminuir a lama e por isto lavamos as bikes, recolocando os freios e nos lavando também. O visual perto deste rio era maravilhoso, uma planície onde havia uma casa e atrás a Serra do Gigante com altitude de 1069 metros.
Com ânimos renovados seguimos os últimos 3 km até a bifurcação para o Ariri. Neste pequeno trecho (afinal que são apenas 3 km de trilha?) encontramos uma rampa para baixo e duas para cima, com areia e cascalho recém espalhada que nos fizeram derrapar. Mas enfim a lama tinha realmente acabado. Concluímos os 12 km às 17h00, nada mais que 7 hs carregando bicicleta pelo atoleiro. Renato comentou os 38 minutos de percurso registrados no odômetro, ou seja, que a bike realmente esteve em movimento.
Os próximos 26 km seriam de estrada de terra com algumas subidas, mas terreno firme. Teríamos luz por mais uma hora, o restante teria de ser a base das lanternas. Estávamos todos sonhando com uma deliciosa e vitoriosa cerveja, banho quente e comida salgada, nesta ordem. A estrada até Ariri é muito bonita, mas só pudemos vê-la até o km 11 ou 12, dali por diante só o facho da lanterna da bike e luz das estrelas. Sentir uma estrada com seus ruídos da mata, palmilhar buracos, erosões e declividades, também é uma maneira interessante de conhecer um lugar, literalmente às cegas. O sentir de nosso ser fica incrivelmente mais apurado. Apesar do cansaço e da incerteza de encontrar pousada, estávamos bastante integrados entre nós mesmos e com a natureza que nos envolvia, inclusive o céu estrelado. Uma benção!
Entramos na cidade às 20h00 ou pouco mais. Foi mais emocionante que a chegada a Guaraqueçaba em setembro passado. Coincidência ou não, também houve fogos de artifício. Fomos direto para a pousada do Sr. Cláudio e Dna. Tereza por indicação de amigos que encontramos na estrada. Brindamos com uma primeira cerveja tão sonhada desde a noite anterior, achamos banho quente e depois de vistoria completa a procura de carrapatos, ferimentos e calosidades, finalmente nos encontramos com um caldo de feijão poderoso, arroz e um peixe delicioso. Foi o jantar mais adorável dos últimos tempos. Estávamos embriagados de prazer pela vitória sobre os limites físicos, mas que não implicam tão somente em preparo físico.
Entre o céu, a terra e o mar…o pensamento no infinito! – Ilha de Superagui 16/06/01
Após o café da manhã no Ariri, lubrificamos as bicicletas para sobreviverem à maresia, preparamos o lanche para o dia e partimos às 8h00 numa voadeira para a Barra do Ararapira. No percurso admiramos a Ilha do Cardoso sentindo muitíssimo por não visitar Marujá novamente e pedalar pela praia até a travessia para Superagui. É melhor não arriscar que o tempo pode mudar de repente e termos dificuldade para chegar ao trapiche de Superagui no domingo. Assim poderemos fazer um trajeto mais tranqüilo por Superagui e aproveitar a paisagem com calma. Providencial raciocínio do líder Renato. De toda a forma é sempre agradável um passeio de voadeira.
Pelo caminho vamos relembrando a pedalada pela Ilha do Cardoso no verão e o calor que enfrentamos. Pouco antes das 9h00 descemos no finalzinho da Barra do Ararapira e restariam somente 28 km de pedal até a Vila de Superagui. Uma praia muito plana com areia lisa e temperatura agradável. Ah, praia deserta que saudades eu estava! Fomos felizes com o clima neste feriado, parecia reservado a nós e para esta aventura.
Ao longe vemos a Ilha da Figueira situada à frente da praia deserta, nas imediações da divisa Sp-Pr. Esta ilha possui as mesmas características da Ilha dos Currais com área pouco menor, mas abrigando também muitas espécies de aves marinhas. O acesso não é possível por ser apenas um grande rochedo, além da distância da costa.
Ficamos afastados uns dos outros de modo a ouvir o brado do oceano e ter com Ele uma conversa a sós. Vou seguindo os rastros da bike a frente, faço zig-zags, o pensamento vai se distanciando, pedalo sem a mínima atenção à bicicleta, solto as mãos e danço. Este é meu jeito de comunicação com o infinito.
Lá pelo km 4 depois da barra encontramos a montanha de lixo não orgânico. São garrafas pet de todas as marcas, plásticos de toda sorte de utensílios sem mais serventia para as embarcações em mar aberto e que na contra maré vieram parar na Praia Deserta. Todo o lixo está acondicionado em sacos plásticos, não sei bem quem recolhe isto, mas a coleta é feita ou, pelo menos deveria, ser feita pelo IBAMA, pois a ilha é patrimônio de responsabilidade federal. Certamente já estiveram fazendo o translado do lixo depois do verão, pois esta montanha estava bem maior, além de que tivemos o desprazer de ver a praia coberta dos resíduos trazidos pela contra maré, desde copo de liquidificador até carcaça de monitor de computador. Procurei informações no órgão ambiental em Curitiba quando me pediram fotografias que não tínhamos. Desta vez registrei tudo.
Seguimos o caminho e novamente nos afastamos. Sozinhos ficamos mais a vontade para o contato com os atobás, gaivotas, urubus e eventualmente algum gavião. Coloco uma fita de musica medieval no “walkman”, assim a dança será ritmada. É incrível o transe que o mar nos produz, quase não consigo me lembrar dos amigos. Pedalar despreocupada é uma sensação que raras vezes podemos aproveitar no ano. Minha pobre “Penélope” sei que a maresia é um veneno pra você, mas é justamente para isto que te quero; todo terreno.
Quando paramos para beber um isotônico, comer um lanche ou cruzar um rio, é como se estivéssemos saindo do transe. Parece que estamos despertando. O único obstáculo do dia é um rio 5 km antes de chegar à vila. A maré esta subindo, mas ainda há condições de cruza-lo empurrando as bikes. Teremos, no entanto, que atravessar um trecho com piçarras. No verão este mesmo rio nos pregou uma peça e ficamos ilhados por 2 ou 3 hrs. Desta vez foi sem emoção, tudo muito prático. Em seguida contornamos a Ponta Inácio Dias admirando a distância a Ilha do Mel.
Chegamos na vila às 15h00, na Pousada Sobre as Ondas, do Carioca e da Denise que caiu como luva. Depois das cervejas demos um trato nas fiéis bikes e cada um foi aproveitar o fim de tarde da maneira que achou melhor.
Caminhei novamente para a Ponta Inácio até antes do rio, agora a pé, talvez tenha caminhado uns 8 km (ida e volta). Fui ao encontro do pôr do sol relembrando cada trecho do caminho; a estrada de dia, a lama, a estrada de noite, a areia. O infinito me lembra que para este momento de êxtase; um pôr do sol em completa solidão, foi necessário toda aquela trilha e só por isto já teria valido a pena!
Desistir ou tentar? Estamos indo de volta para casa! – 17/06/01
A pousada serviu um jantar delicioso; caldo de tainha defumada com banana da terra. Um pouco antes, ficamos os três tendo idéias mirabolantes de como dar a volta ao mundo de bike, cada qual com seu ponto de vista e a partir desta divergência discutimos também o “sexo dos anjos”. Como é possível sermos tão distintos uns dos outros? Não é fácil encontrar companhia para travar desafios como os que acabamos de concluir sem perder o bom humor e a garra. Encontramo-nos, mas somos muito diferentes! Enfim, melhor que o jantar da pousada teria sido a tainha na brasa, no meio da areia que o Renato sabe fazer, acompanhada da cachaça de banana que o Oscar esqueceu de trazer. O nosso “papo cabeça” muito provavelmente teria ido muito mais longe e alguma coisa em comum poderíamos ter encontrado.
O Oscar e eu ficamos proseando e observando o céu e o mar após o jantar. Por volta das 22h00 o tempo mudou e surgiu um vento que prenunciava encrenca para a travessia no dia seguinte. O melhor era ir descansar! O vento não deu trégua um minuto sequer. No “I Ching”a qualidade penetrante do vento depende de sua constância, é isto que o torna tão poderoso. Apesar do prenúncio de mau tempo foi bom ouvi-lo na noite marinha. O mar não baixa a voz para o vento, pelo menos aos meus ouvidos, e foi logo dizendo quem “daria as cartas”. Fomos brindados com mais esta manifestação da natureza.
No dia seguinte, no café da manhã, conhecemos alguns dos integrantes do grupo de trekking que chegaram de Cananéia (40 km). Ao todo 12 pessoas (5 mulheres) que chegavam aos pares. Os esperávamos para juntos fazermos a travessia para Paranaguá. A manhã foi fria, com chuva e vento. Aproveitamos para dormir e recompor as energias para a segunda feira. A última dupla chegou próximo do almoço.
Ficou decidido que por volta das 14h00 o bote do Badejo estaria partindo para Paranaguá pelos canais interiores das ilhas, de modo a não se expor ao mar aberto com mau tempo. É uma viagem de 5h00 de duração que já havíamos feito com tempo bom no verão. Ali ficamos a mercê do que decidirem os barqueiros, principalmente na viração do tempo como estava acontecendo e poucos são os que se arriscam.
Tentamos partir, mas a água misturada ao diesel não permitiu que o motor funcionasse. Funcionou apenas o suficiente para nos afastar do trapiche e nos deixar na margem um pouco distante. O grupo de andarilhos era divertido e consciente de que com este tempo não se sai ao mar, quanto mais no bote do Badejo. Voltamos para a pousada molhando as penúltimas peças de roupas que tínhamos. Nós três, os ciclistas, demoramos mais em função de atravessar as piçarras com as bikes e tomamos nossa primeira chuva da aventura.
Uma chuva é sempre uma chuva, uma manifestação da natureza que envolve e acaricia, faz os cabelos escorrerem pelo rosto e mesmo gelada é impossível deixar de brincar com ela. Chegamos à pousada pingando. Novo banho, novas acomodações, café quente e mais uma noite ilhados. Melhor relaxar e assistir o segundo tempo de Corinthians vs Grêmio. Diriam os andarilhos; “a pé nós iremos, para o que der e vier”.
Ouvimos algumas histórias de motos e jipes do grupo festivo que eram praticamente estreantes no trekking. Todos nos admiraram pela aventura de bike e algumas garotas comentaram que tinham muita vontade de encarar uma bicicleta, mas ficavam temerosas de suas capacidades, pois estavam só acostumadas com veículos a motor.
Já haviam estado no Jalapão – To com jipes e quando souberam que os guris também tinham passado por lá na primavera de 2000 saíram logo com a idéia de refazer o percurso com bikes. Pronto, a encrenca estava montada. Mal sabiam que os meninos falaram muito sobre isto no dia anterior. Cada louco que me aparece! O pior é louco pensando em voz alta. Ora, me deixe, Deus é mais! Depois me vem com a história de loucura controlada. Só não tentem me convencer a acompanhá-los para fazer o serviço jornalístico porque minha loucura não é controlada aliás, nem sou louca! E minha bike ainda é daquelas de aço sem suspensão.
Sai Badejo entra Sr. Rubens, o desbravador dos mares! – 18/06/01
“Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está / nem desistir / nem tentar / agora tanto faz, estamos indo de volta pra casa”. Renato Russo.
Precisamos retornar à vida urbana e contratamos um barco maior, do Sr. Rubens, para saída entre 6h30 e 7h00 da manhã por fora, encarando o mar aberto e apenas 2h30 de duração. Tomamos um rápido café e lá vamos nós, ciclistas e andarilhos acomodados para a viagem ultra segura, sem coletes salva vidas. Aceitamos estas condições em terra, porque não havia outra opção, nada da segurança exigida pela Marinha e pelo bom senso. Como já disse; com horário a cumprir e mau tempo ficamos na dependência da experiência e sorte do barqueiro.
Lá fomos nós com o motor falhando bem no trecho de mar aberto. No entanto a energia da tripulação era de tão boa freqüência que não tenho a menos idéia de onde surgiu outro barco para içar uma corda e nos rebocar até o motor votar a funcionar. Todas as bênçãos!
Lição básica nº 1: manter a cabeça no lugar e procurar rever a situação, sem perder a confiança.
Lição básica nº 2: desistir do barco em terra antes da partida, caso não sinta firmeza no equipamento ou no comandante.
No final tudo acabou bem. Aportamos em Paranaguá as 9h30, pegamos o carro e retornamos para Curitiba, sãos e salvos. Só posso garantir que sou um pouquinho melhor hoje do que aquela anterior ao feriado. Tanto que estou contando esta história de bom humor e muito saudosa da aventura que para muitos poderia parecer banal, mas para os participantes ficaram as imagens e as emoções vividas em cada trecho, particular é único para cada um.
Este texto tem o único objetivo de organizar cronologicamente os fatos, quilometragens, tempos do percurso e pontos de referencia que o passar do tempo trata de misturar ou ocultar em algum canto da memória.
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Sobre o autor

Josete de Fátima de Sá

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