Gustavo Castanharo comenta a repetição da via Mar de Caratuvas após “regrampeação”

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Gustavo Castanharo no topo do Ibitirati

A via Mar de Caratuvas é uma típica via de escalada tradicional localizada no Pico Ibitirati (1.856 metros) na Serra do Ibitiraquire, no Paraná. Esse conjunto abriga três montanhas, entre eles o Pico Paraná com 1.877 metros de altitude, que é considerada a montanha mais alta do sul do Brasil.

Leandro Cechinel e Anderson Bulgacov (Camarão) no meio da parede.

Com mais de 30 anos de idade, a via ainda é considerada uma escalada comprometedora e exigente e para muitos escaladores da região ela é uma verdadeira aventura. Além das suas características tradicionais e de sua beleza, essa via também chama a atenção por ser a única via paranaense conquistada coletivamente. A conquista foi realizada em 1987 por escaladores da região coordenados pelo Clube Paranaense de Montanhismo (CPM).

No mês passado os escaladores associados do CPM concluíram o projeto de regrampeação da via, fruto de esforços coletivos para tornar a via mais segura. E coube ao escalador e montanhista, Gustavo Castanharo (Tavinho), e seus parceiros Leandro Cechinel e Anderson Bulgacov (Camarão) realizarem a primeira repetição da via após a sua recuperação. O objetivo além de escalá-la era localizar as novas proteções, medir o tamanho das cordadas e coletar outros dados para atualizar o croqui.

Confira a entrevista que o Escalador Gustavo Castanharo nos deu sobre a suas experiências nessa via.

Como você descreveria a via “Mar de Caratuvas”?

Uma verdadeira escalada de aventura. Extremamente cansativa, na qual o sucesso depende muito de um acerto na logística escolhida à sua escalada, incluindo a aproximação da via e o retorno dela, a quantidade de equipamentos em geral e a parceria que você irá escolher.

Belíssima parede com lances técnicos – foto de Leandro Cechinel.

Como você conheceu a via? A primeira vez foi em 2010?

Na verdade eu tenho uma longa história com essa via. Comecei a ir para a Montanha em 1989, com 9 anos,  quando meu pai acompanhou eu e meu irmão, o Cover, que na época tinha 11 anos, pela primeira vez no Anhangava, e começamos a fazer diversas montanhas da região, e lá pelo ano de 1992 começamos a escalar em rocha, mas naquela época tínhamos muita dificuldade na aquisição de equipos de escalada, o que dificultava a evolução técnica.

Em 1996 foi a primeira vez que eu tentei escalá-la, eu tinha 16 anos, mas por dificuldades no transporte e logística falha não obtivemos êxito. Escalamos até o primeiro esticão após o Platô Jean Claude, aonde bivacamos, ou seja, até o inicio do 5º esticão.

Mais de 10 anos depois, retornei com meu irmão no ano de 2007, mas a trilha estava totalmente fechada e perdemos muito tempo para achar a rota para chegar a base da via. Escalamos até o Platô Jean Claude e descemos, pois tínhamos saído tarde de Curitiba e já estava no final do dia. Um mês após essa investida retornamos novamente, mas novamente pela escolha errada de horários, mesmo antecipando a saída em 2 horas, escalamos até mais ou menos a região da P7 atual e acabamos abandonando a via.

Um ano após, em 2008, retornamos novamente e chegamos na região da P10 já perto das 16:30, com o sol baixo, e não quisemos arriscar ter que escalar no escuro em uma via desconhecida e de difícil orientação à época, e rapelamos tudo. Ainda tínhamos errado no horário de saída.

Em 2010 foi a minha 5ª tentativa, na qual obtive êxito. Acertei na logística de horário e a escalada fluiu, apesar de eu ter tido uma grande queda no penúltimo esticão, mas graças a Deus nada de mais grave ocorreu e consegui concluir a via pela primeira vez.

O que te motivou a escalá-la?

O tamanho da via e a pouca quantidade de repetições que a via possui, e claro, a beleza da região onde essa montanha está localizada, um lugar mágico.

As grandes paredes de granito desafiam os escaladores

Quais as principais dificuldades que você encontrou nela na primeira vez?

A direção ao longo da linha da via, por se tratar de uma via, que até antes do projeto de regrampeação realizado nesse ano, havia muitos esticões de 40 a 50 metros que não tinham nenhuma proteção intermediária, e a direção não é obvia em alguns desses trechos. E também a logística de horários.

Quais as principais diferenças entre a primeira e a segunda investida para você particularmente?

Como foram 5 tentativas antes do êxito, em 2010, acho que a cada investida o conhecimento da região e da via se consolidava, o que de fato ajudou na construção do croqui que eu elaborei dela e temos hoje divulgado. Neste meu segundo êxito em escalá-la, em julho deste ano, a linha da via estava bem consolidada na minha cabeça, e a recente regrampeação ajudou bastante.

Quantas horas de atividade vocês gastaram nessa última investida?

Somente de escalada uma média de 10 horas, em um ritmo tranquilo, curtindo e tirando fotos, e com umas 3 paradas para alimentação. Somar a isso 2 horas de ida de carro desde Curitiba até a fazenda base, mais umas 3 a 4 horas de caminhada até a base, e mais o retorno, que se descer pela trilha do Pico Paraná somar mais umas 5 horas desde o final da via e mais 1 hora de carro até Curitiba. No total uma média de 21 a 22 horas saindo e voltando de Curitiba, indo direto, sem dormir/bivacar, como eu sempre fiz, exceto em 1996.

Início de um longo dia de escalada.

Você caiu na primeira vez que concluiu a via, como foi? Não ficou com receio nessa segunda investida? Como administrou o psicológico?

Depois que eu tive esse incidente em 2010, quando conclui a via pela primeira vez, eu desisti de escalar, pelo trauma psicológico, fiquei quase um ano sem escalar, mas aí acabei retornando, bem inseguro no início, mas a paixão pela Montanha e pela Escalada era muito maior e venceu. Nesta repetição em julho, principalmente no esticão que eu caí, o qual eu fiz questão de guiar novamente, foi um misto de tensão e êxtase… foi uma sensação muito estranha na verdade.

Como você avalia  a via “Mar de Caratuvas” em comparação ao outras vias de mesmo estilo?

Na verdade eu acho que é uma via única, incomparável, pelo menos para mim que não escalei outras vias na mesma montanha.

No geral, o que você achou do trabalho de regrampeação? Melhorou ou manteve as características originais?

Eu achei um bom trabalho. Em alguns trechos a exposição melhorou, como por exemplo esticões que já citei que tinham 40 a 50 metros sem nenhuma proteção intermediária, agora tem. Mas ainda tem lances que não é bom cair guiando, senão o resultado pode ser trágico. Outra grande melhoria foi a duplicação de todas as paradas/reuniões, com chapeletas Duplas da Bonier, pois antes, algumas das paradas tinham somente 1 grampo.

Parceiros de escalada na primeira repetição após a regrampeação

O que recomendaria a escaladores que desejam escalar essa via?

Antes de mais nada, escale sempre com CAPACETE.

Eu recomendaria 3 aspectos: a primeira conhecer a região da base da via e no mínimo a trilha de retorno via cume do Pico Paraná.

A segunda é estar habituado a escaladas com trechos expostos e escalar com mochila, e para isso, sugiro escalar as vias longas do Campo das Panelas no Anhangava, dominando elas, escalar também as vias no Pico do Tucum, um setor novo que abrimos em 2018/2019, o qual tem uma longa caminhada que se assemelha a aproximação ao Ibitirati, e tem vias longas e acessíveis tecnicamente para trabalhar procedimentos de diversos esticões, e claro, treinar também no Marumbi, onde tem muitas opções de vias e também uma boa caminhada de aproximação.

E a última e mais importante, conhecer seus limites na escalada, tanto tecnicamente e fisicamente, como psicologicamente.

Confira aqui os croquis atualizados desenhados por Gustavo Castanharo e Roniel Fonseca:

Croqui da trilha de aproximação.

 

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Sobre o autor

Maruza Silvério é jornalista formada na PUCPR de Curitiba. Apaixonada pela natureza, principalmente pela fauna e pelas montanhas. Montanhista e escaladora desde 2013, fez do morro do Anhangava seu principal local de constantes treinos e contato intenso com a natureza. Acumula experiências como o curso básico de escalada e curso de auto resgate e técnicas verticais, além de estar em constante aperfeiçoamento. Gosta principalmente de escaladas tradicionais e grandes paredes. Mantém o montanhismo e a escalada como processo terapêutico para a vida e sonha em continuar escalando pelo Brasil e mundo a fora até ficar velhinha.

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