O Complexo de Síndico

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O síndico é o líder eleito para administrar, conservar, melhorar e consertar o condomínio, o prefeito deveria fazer o mesmo pela cidade. Ambos são bichos urbanos por excelência.

Fotos: Paulo Marinho

O homem tem verdadeira paixão em arrumar as coisas, seu cérebro não resiste à tentação de impor ordem ao caos. “Melhorar“ e modificar o meio-ambiente é nosso instinto e nossa sina. Qualificamos tudo o que não entendemos e o que aparentemente nos atrapalha como ruim. Talvez esta seja a razão pela qual abominamos a natureza selvagem e durante milênios nos esforçamos para dominá-la.

A natureza representa a desordem e impõe obstáculos a nossa passagem. As trilhas nasceram para interligar dois pontos geográficos e esta é sua história comum. O caminho do Itupava é um exemplo clássico; nasceu da perseguição a uma anta, depois a picada foi alargada, drenada com aterros e valas, calçada com pedras para facilitar o trânsito e finalmente pedagiada para custear sua manutenção.

Hoje trilhas só existem em parques e regiões montanhosas onde servem apenas ao turismo, mas o “complexo de síndico“ está inserido em nossas células como o vírus da AIDS e sempre encontramos um bom motivo para deixá-lo atuar livremente. Mas o que mais me apavora são os políticos (presidentes e diretores de ONGs, clubes e associações protetoras) que para se manterem em evidência precisam de obras e deixar os ambientes naturais por conta da natureza não caracteriza uma gestão.

A ordem é consertar o que o homem estragou e construir melhorias para proteger a natureza. Construir e consertar sempre deu votos e mantém os servos ocupados. Afinal, mente desocupada é a oficina do capeta.

Ontem abrimos pra valer a temporada de 2009 fazendo um bate-volta no Ciririca com a mente desocupada e os músculos totalmente ocupados. A trilha para o Ciririca é uma das poucas no Paraná que ainda não recebeu melhorias significativas dos síndicos de plantão e graças ao bom Deus continua uma desordem total fora algumas fitinhas que bem poderiam ser retiradas.

Foram 6 horas de ida, uma hora para apreciar o cume e mais 6 de volta. Quem conhece a região pode testemunhar sua beleza e complexidade. Nosso método de organizar uma caminhada é bastante simples; alguém manda um e-mail no meio da semana que ninguém responde para desespero do emitente e na hora não marcada começamos todos juntos a caminhar.

Partimos as 6:00 horas do sítio do “falecido João Vicente“ com o Paulo Marinho, Elcio Douglas, Moisés, Zig Koch, dois rapazes de Londrina (Richard e Gabriel) e três jovens amigos da filha do Moisés. De saída os meninos elogiaram nossa forma física, apesar da idade…

Depois do incêndio no vizinho Pedra Branca, o “Aborígene“ roçou a trilha e a transformou numa estrada até a bifurcação para o Tucum, mas de resto está ainda bem natural. Adiante continua sendo um desafio razoável. Na cachoeira do professor (1/4 do caminho, ida + volta) os meninos já estavam exaustos e resolveram ficar esperando nosso retorno.

Lá em cima me sinto muito mais próximo de Deus e não esqueci das orações da Virgínia (Teresópolis), meu único pedido egoísta é continuar tendo forças para retornar ali mais algumas vezes, mas acho que nas próximas vou pedir também para preservar aquelas paragens dos síndicos profissionais e dos engenheiros amadores.

As 14:00 horas iniciamos a descida do cume com o Elcio, o Moisés e os dois rapazes de Londrina seguindo na frente, em ritmo mais acelerado, para resgatar os meninos e sair do mato ainda com luz do dia. Eu, o Paulo e o Zig ficamos para trás com toda a calma do mundo e todas as fotografias que os cartões de memória poderiam suportar.

No cume abriram nova clareira para barracas e não demora em aparecer um síndico com um projeto para instalar degraus na encosta, estancar a erosão e facilitar ainda mais a destruição do cume.

A noite e os relâmpagos nos encontraram no Poço das Fadas, mas antes disso, o grupo na dianteira passava apuro na Pedra da Corda. A subida da encosta começa com uma escalaminhada muito empinada que termina com num lance de 3º grau onde um dos meninos passou mal e teve um pequeno desmaio motivado pela exaustão física acrescida do inédito desafio psicológico. Lugar excelente para instalar mais alguns degraus e uma placa de agradecimento ao futuro benfeitor preocupado apenas com a segurança do próximo e a integridade da natureza.

No Poço das Fadas, com a chuva bem próxima, começamos a embalar individualmente todo o equipamento fotográfico, lente por lente e isto nos tomou quase meia hora, mas foi uma sábia decisão, antes da metade da encosta seguinte desandou um verdadeiro dilúvio gelado sobre nossas costas. Quanta saudade de andar debaixo de chuva torrencial com o anorak encharcado e só o facho da lanterna apontando o caminho.

Que Deus proteja este pedacinho do paraíso das boas intenções dos humanos, porque já se dizia no tempo do “ôpa“ que o caminho para o inferno foi inteiramente pavimentado com elas, as boas.

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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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