Um mês após a jornada no Picadão do Cristóvão a abstinência das montanhas já era sentida. Foi então que o Irmão Derlan Quinhone (Habib) comentou que queria fazer a travessia Alpha – Ômega e eu (egoísta que sou) lancei uma contra proposta: Bolinha – Marco 22! Meu cunhado Lucas Zerbinati imediatamente abraçou a ideia e fechamos a equipe com meu filho Thomas, de 16 anos.
Nas semanas seguintes estudamos o itinerário, a logística e o cronograma. Definimos que faríamos a Interagudos e eu defendia como “extras” Cotoxós e Arapongas. Cesar Fiori nos deu dicas que se revelaram importantes e nos cedeu dois mapas para navegação por bússola, afinal o Garmin da equipe era antigo e a bateria estava viciada, logo restringiríamos as consultas ao GPS.
A logística de quem vem do interior é complicada. Foram 470 km de Rolândia até o Portal da Graciosa onde encontramos Habib que seguiu de Guarapuava. Ambas viagens transcorreram bem e às 16h30 do dia 22, deixamos um carro na Casa Garbers e partimos para a Fazenda da Bolinha. Concluídos os protocolos de entrada, às 17h30, finalmente abrimos o portão rumo ao Siririca!
Registro que a trilha está mais fácil que em 2009, ocasião em que estive no Siririca acompanhado dos Irmãos de Londrina, Zero (Diego Gonçalves), Malinha (Alexandre Ferreira) e Zé Marcelo. Na época cogitamos a Travessia Bolinha – Marco 22, mas as péssimas condições climáticas impediram até mesmo um ataque aos Agudos. Foi um baita perrengue, porém ótima experiência.
Alcançamos o Siririca à 1h30, sem maiores percalços. Montamos o acampamento, fizemos um rango e caímos no sono. O frio da madrugada me despertou antes do alvorecer e saí para testemunhar um Sábado perfeito para a realização da Interagudos! O pessoal saiu das barracas perto das 7h. Tomamos café, assinamos o livro, subimos nas icônicas placas e fizemos algumas fotos…
Às 9h iniciamos a temida descida do Siririca. O visual transcendental dos Agudos compensou o receio criado pelos relatos consultados. O rastro da trilha é perceptível para qualquer montanhista experiente, logo não foram necessárias consultas ao GPS. Perto das 10h chegamos à bifurcação do Lontra. Largamos as cargueiras e alcançamos o cume às 10h40. O livro estava encharcado. Após uma pausa para contemplação e fotos, seguimos em frente…
No agradável interior de um vale, fizemos uma pausa para lanchar. Logo acima encontramos a bifurcação para a Colina Verde. Como nosso objetivo era outro, seguimos em frente. Um pouco além, identificamos o cruzo para a Interagudos, largamos as cargueiras e partimos para o ataque ao Cotia. Embora Habib já demonstrasse sinais de cansaço, sua obstinação era admirável!
Atingimos o cume perto das 14h. Assinamos o livro e ficamos descansando durante meia hora. Para mim já era evidente que Cotoxós e Arapongas ficariam para outra oportunidade, mas não havia problema. Estar naquelas extraordinárias montanhas estava valendo todo o esforço logístico, mental e físico. Novamente com as cargueiras no lombo, rumamos para a montanha mais remota do Paraná: O Cuíca. Embora o rastro da trilha fosse perceptível, o progresso era lento em meio a vegetação fechada… A trilha segue pela borda do paredão, com visuais alucinantes do Cotia e da Planície Litorânea.
Às 16h, saindo da macega que antecede o cume, o Habib exclamou: Tem uns caras ali! Espantado, olhei para frente e reconheci Élcio Douglas, uma lenda do Montanhismo Paranaense (mentor da Interagudos e da Alpha-Crucis) com quem me correspondia virtualmente há anos! Élcio bradou: Farina! Lugar de montanhista se encontrar é na Montanha! De preferência em uma lazarenta, difícil de chegar e que quase ninguém vai! O diálogo fluiu animado…
Élcio narrou que estava ali para concluir o último trecho da Interagudos (uma ligação entre Cotia e Lontra que encurtará a pernada em 1h). Nós lhe contamos sobre a Travessia Portal–Serra Grande aberta nos Agudos do Tibagi em 2020. Élcio sugeriu que ultrapassássemos a Garganta 235 para acamparmos no Pouso do Remanso e dado o adiantado da hora, cada um seguiu seu rumo…
Após uma incrível superação do Habib, alcançamos o Agudo Marmosa por volta das 17h. Assinamos o livro, lanchamos e consultamos os mapas. Estava claro que teríamos que seguir por uma trilha inédita (para nós) a noite. Concentração total, progresso lento e alcançamos a Garganta 235 perto das 18h30. O local é péssimo para acampamento: Terreno irregular, muitas pedras e umidade. Para minha surpresa, o Habib exclamou: Aqui não dá, vamos em frente!
Com as trevas imperando na Serra, após breve descanso, seguimos. Tomamos alguns perdidos de 20, 30, 50 metros… Nada desesperador. Em nossa marcha lenta, porém decida e atenta, chegamos ao Remanso próximo às 20h. Área excelente, plana, ao lado de um córrego e ao abrigo da Mata Atlântica!
Às 21h30 embarcamos em uma merecida noite de sono. Despertamos às 7h dispostos a completar a Travessia. Tomamos um café, desmontamos o acampamento e pé na trilha! Estávamos mais animados, pois sabíamos que o “pior” já havia passado. Seguimos sem grandes perdidos, até chegar ao Dique Diabase que antecede o impressionante Salto Mãe Catira.
Dali são cerca de 5km até o Marco 22 e mais 2,1km até a Casa Garbers. Faltando cerca de 2 km para alcançarmos a Estrada da Graciosa, decidimos dividir a equipe (afinal teríamos mais 470 km até Rolândia e 320 até Guarapuava). O Lucas e o Thomas partiram para buscar o carro e eu segui com o Habib.
Chegamos ao Marco 22 no Domingo às 14h30. Veículos, motocicletas e ciclistas desciam e subiam a Graciosa… Alguns buzinavam para nós! Talvez soubessem o significado desta cena: Duas mochilas apoiadas no obelisco de granito e dois esquisitões; O primeiro desmaiado no gramado e o segundo (com cara de louco) rindo sozinho, fumando cachimbo, acenando e gritando de volta!
4 Comentários
Sempre bom ler os seus relatos. Parabéns por mais essa conquista 👏
Grande Irmão, muito obrigado!
Espetacular relato de uma travessia raiz, numa das áreas mais selvagens da Serra do Ibitiraquirê. Parabéns, com especial ênfase ao Habib pela superação e ao Thomas por se aventurar em tua companhia. Vcs guardarão as mais doces e preciosas lembranças desses momentos.
Muito obrigado, Rogério!