O Boteco

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A seguir O Boteco, 10º e último capítulo desta história escrita para esclarecer alguns mistérios da Serra do Marumbi e aprofundar outros, onde alguns personagens, lugares e acontecimentos são reais enquanto nomes, datas e outros tantos acontecimentos são fictícios. Tudo junto e misturado durante uma hipotética Travessia Alpha-Ômega.

 

Leia antes os capítulos: 1 –  A MARIA FUMAÇA,  2 –  A CACHOEIRA DOURADA,   3 –  A TRILHA,   4 –  O SOCORRO,   5 –  A ALDEIA  e    6 –  A TEMPESTADE,  7 – O ACAMPAMENTO FANTASMA,  8  –  O AVIÃO DA SADIA  e 9 – A TRAVESSIA.
 
 
– Quer dizer que o porteiro já foi chegado na cachaça? – perguntou o velho montanhista.
 
– Esta é outra história, ele nem era nascido quando caiu o avião – respondeu Dirceu – Este senhor que acabou de passar é que reencontrou os destroços alguns anos atrás e me deu estas fotografias.
 
– Acho que do avião sei mais do que ele. Em 1967 ajudei no resgate das vítimas.
 
– Verdade????
 
– Com muito trabalho conseguimos resgatar 4 pessoas com vida, mas o caso é que uma delas nos processou depois. Além de trabalhar de graça ainda gastamos com advogado.
 
Dirceu cresceu a sombra do Morro Negro assombrado por aquela tragédia e não cansava do assunto desde que ganhara um álbum com a história e as fotos dos destroços.
 
– Depois de sair do hospital nos acusou de termos roubado suas jóias.
 
– E vocês roubaram?
 
– Eu não roubei nada e acho que os outros montanhistas também não, mas o lugar fervilhava com bombeiros e curiosos. Qualquer um poderia ter pego.
 
– Melhor perder os anéis que a vida! Isto aqui ficou igual depois daquela tempestade no ano passado. Não tinha mais lugar para tanto carro de bombeiro no pátio e nunca vendi tanto pastel nesta lanchonete.
 
– Realmente parecia o fim do mundo! A Serra da Prata quase veio abaixo.
 
*****
Passada a tempestade chegou a primeira viatura e os bombeiros entraram no mato preparados para uma guerra. Vasculharam cada canto dos primeiros morros sem encontrar nenhum sinal dos garotos perdidos e depois se internaram na serra. No final do dia já haviam mais duas viaturas e uma ambulância no pátio.
 
*****
– Encontraram um rapaz bastante ferido atrás dos morros e não tinha mais lugar na lanchonete pra tanto curioso. A coisa durou a noite toda e na madrugada já não tínhamos mais nada o que vender, nem café. Limparam as prateleiras!
 
*****
Aldo jazia pelado e desacordado na metade da subida do morro da Ferradura quando os bombeiros o encontraram depois de vasculharem todas as inúmeras trilhas dos morros Canal, Vigia e Torre Amarela. O adiantado da hora inviabilizava o resgate pelo ar e chamaram reforços por terra. Os paramédicos foram os primeiros a chegar com a maca e o grupo da pesada chegou logo em seguida com foices e facões. Trabalharam a noite toda para descer pela Torre Amarela e alcançar a ambulância já bem próximo do amanhecer.
 
*****
– O rapaz ainda estava vivo?
 
– Estava sim senhor! Passou aqui amarrado numa tábua e todo embrulhado em papel alumínio. Disseram que tinha levado três pontaços de faca nas costelas e passado toda a chuva no relento. Verdadeiro milagre!
 
– Então tudo acabou bem!
 
– Nem tudo. O engraçado é que não era este cara que estavam procurando, nem sabiam da sua existência. Continuaram vasculhando os morros por outros dois dias inteiros atrás da moça e do outro menino. Depois mudaram as buscas para a Estrada dos Mananciais e por fim acho que desistiram.
 
– Desistiram sem encontrar ninguém?
 
– Isto nunca soube, mas por aqui não passaram.
 
– E qual o problema do João? – insistiu o velho.
 
– O João cismou que a mulher enfeitava a cabeça dele com chifres! Que o filho era de outro, estas histórias. Desceu a beber sem parar e descascar a cinta na patroa. Tanto aprontou que botaram ele pra fora da aldeia e com pena o deixei morar uns tempos no paiol.
 
– Você disse que parou de beber.
 
– Virou crente como quase todo mundo por aqui depois que depuseram o cacique da aldeia que fugiu exatamente com a mulher dele, mas pelo que sei já está de volta. Até parece uma epidemia!
 
– Epidemia?
 
– Todo mundo esta virando crente, parando de beber e pregando a palavra o tempo todo.
 
– Quem voltou, a mulher ou o cacique?
 
– A Maria e o menino! O cacique vai ficar por bom tempo com cama e comida grátis na colônia de férias em Piraquara.
 
– Porque fugiu com a mulher do João?
 
– Não! Pegaram ele numa oficina de desmanche, mas jura que é inocente.
 
– Só tem inocente na prisão e em Brasília ninguém nunca sabe de nada!
 
– E o que o senhor tanto escreve neste caderninho? – Dirceu já estava curioso.
 
– Ah! Isto é um velho costume alemão. Anotar tudo para não esquecer.
 
– Então anota aí que meu falecido avô sempre dizia que estes morros são assombrados!
 
 
Fim
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Sobre o autor

Julio Cesar Fiori é Arquiteto e Urbanista formado pela PUC-PR em 1982 e pratica montanhismo desde 1980. Autor do livro "Caminhos Coloniais da Serra do Mar", é grande conhecedor das histórias e das montanhas do Paraná.

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