A importância de ter experiência ao escalar o Everest

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A temporada 2023 do Everest chegou praticamente ao fim com muitos fatos que merecem ser comentados como sendo históóóórias de montanha. Foi uma temporada movimentada, com muita gente dividindo a rota da face sul nepalesa, uma vez que a face norte, pela China, permanece fechada aos estrangeiros desde o início da pandemia. De nossa parte, tivemos um recorde de brasileiros na montanha, oito! Roberto Terzini, Carlos Santalena, Carlos Canellas, Décio Gomes, Murilo Vargas, Cesalina Gracie, Bernardo Fonseca e Gabriel Tarso.

Dentre estes nomes, vários conhecidos e outros que o meio do montanhismo brasileiro não está tão familiarizado. Carlão, estava indo para seu quarto cume na montanha mais alta do mundo. Além do Everest, Santalena já escalou também o Lhotse, Makalu e Manaslu, é um dos maiores nomes do himalaísmo nacional. Ele foi o líder a expedição que contou com Canellas, que fez cume com o guia campineiro em 2011 e tentava pela segunda vez chegar ao cume sem oxigênio. Na mesma permissão ainda havia Décio Gomes, empresário do DVG Grupo, que está investindo alto na realização dos 7 cumes e que recentemente escalou o Vinson e Aconcágua. Décio conta com Murilo Vargas, forte escalador mineiro e também film maker do 100 limites filmes, um personagem de nossa escalada que circula há mais de 15 anos pelas rochas e montanhas brasileiras.

O também film maker Gabriel Tarso está no Everest pelo terceiro ano seguido. Tarso já participou de dezenas de expedições de altitude, escalou 14 montanhas com mais de 6 mil metros nos Andes, onde muitas fomos parceiros de escalada, além de várias outras montanhas mundo afora. Em 2023 Tarso esteve trabalhando para Bernardo Fonseca, empresário e atleta, com quem escalei o Manaslu em 2018.

O primeiro brasileiro a fazer cume na montanha, foi o menos conhecido Roberto Terzini, paulista que mora nos Estados Unidos. Conheci Terzini em uma travessia da Serra Fina em 2014, algum tempo depois ele fez meu curso de escalada em Pedra Bela. Foi um dos melhores alunos e já lá ele mostrava talento no montanhismo. Terzini está quase finalizando os Sete Cumes.

Roberto Terzini na esquerda da foto

Escalar a montanha mais alta do mundo não é uma tarefa fácil, como nenhum oito mil é. O que faz com que uma montanha desta altitude seja algo factível é a estrutura que lá existe. Acampamentos bem estruturados com barracas refeitórios, cozinheiros que fornecem boas refeições, cordas fixas, porters, guias experientes e boa comunicação com acesso a previsão de tempo e entretenimento durante o longo período de aclimatação.

Devido a vários fatores, a expedição de Terzini foi a primeira a fazer cume entre os brasileiros. Ele, um dia depois, fez cume também no Lhotse, pela primeira vez um montanhista do Brasil realizou este famoso double header.

Os demais acabaram aproveitando uma janela de tempo mais tardia, no dia 22 de maio, um dia marcado por uma brisa fria e congelante que assolou a parte superior da montanha mais alta do planeta. Acompanhei a ascensão de Tarso e Bernardo por seu comunicador satelital Inreach e vibrei quando vi eles chegarem ao cume. Porém, longe daqui, Tarso vivia os riscos de escalar o Everest. Durante a descida o oxigênio de sua garrafa se esgotou e ele se viu sozinho e exausto acima da chamada zona da morte.

Em 2018, quando escalei outra montanha de 8 mil metros, também ao lado de Bernardo Fonseca, o mesmo aconteceu comigo. Oxigênio é nosso comburente. Sem ele, você apaga fogo e em nosso corpo não queima calorias. Você fica fraco, tropeça o tempo todo, sente um frio vindo do interior de seu corpo, ocasionado pela dificuldade em gerar calor interno. Temos vontade de deitar e dormir, o que pode ser mortal nesta altitude.

Experiente, Gabriel conseguiu descer até o acampamento 4, logo após conseguir respirar o que sobrou de oxigênio de uma garrafa deixada no cume sul. Uma pessoa sem o currículo de montanha de Gabriel dificilmente conseguiria sobreviver esta perigosa descida. Não foi o “lixo” que salvou a vida de Gabriel Tarso, mas sim seus vários anos escalando montanhas de maneira autônoma. Aliás, é muito comum em várias montanhas, integrantes de expedições trocarem a o cilindro de oxigênio em lugares estratégicos, mesmo que eles não tenham se esgotado, e resgatar este cilindro na descida. O cume sul do Everest é um local conhecido por isso e daí as aspas no lixo, ainda que infelizmente algumas pessoas acabem largando equipamentos para trás e colaborem para sujar a montanha.

Gabriel Tarso, eu e Bernardo Fonseca na base do Everest

Exausto, Gabriel reuniu com seu grupo no campo 4, recebeu ajuda, se hidratou e continuou a descida até o próximo acampamento, aonde chegou à noite. Mesmo depois de tanto perrengue, Tarso continuou sua descida até o campo 2, local mais alto do Everest aonde um helicóptero pode chegar com segurança e diante do risco de poder desenvolver um edema pulmonar após essa perigosa exposição, desceu voando.

No mesmo dia, a equipe de Carlos Santalena atingiu a altitude de 8200 metros e voltou ao acampamento 4. Carlão não deu detalhes do motivo que fez que seu grupo não continuasse até o cume do Everest. No entanto, uma das habilidades mais importantes de um guia é saber a hora certa de desistir e nenhum dos três liderados por Santalena sofreu com os perigos da exposição à zona da morte.

Por último, quando as coisas já se davam por encerradas, ficamos sabendo por terceiros que Cesalina Gracie havia chego ao cume da montanha mais alta do mundo também no dia 22. Cesalina que aliás não comentei na descrição sobre os personagens do Everest deste ano, por ser a maior surpresa de todas. Neta do lutador de Jiu Jitsu Carlos Gracie, Cesalina não tinha nenhuma experiência em montanha. Seu currículo se limitava em ter ascendido o Nangkartchang, um mirante que atinge os 5 mil metros na frente do vilarejo de Dingboche, aonde trekkers que realizam o trekking ao acampamento base do Everest costumam frequentar e a montanha mais alta do mundo. Simplesmente isso.

A louvável história de Cesalina, colocou em questionamento as dificuldades vividas pelos montanhistas mais experientes, principalmente por Gabriel, que foi quem viveu o maior drama nesta ascensão. Porém não se enganem, há uma grande diferença entre estar no Everest trabalhando e ascendendo sendo ajudado por guias e pela estrutura lá existente. Como film maker, Gabriel carrega tripé, câmeras e pesadas baterias. Precisa parar para registrar a escalada e depois retomar o tempo perdido com as tomadas. Apesar do sucesso, não podemos nos inspirar no feito de Cesalina.

Sim, é possível diante da estrutura existente e apoio de guias profissionais escalar o Everest sem, ou com pouca experiência. No entanto não se pode negar que tentar a montanha mais alta do mundo nestas condições é perigoso, não somente para quem está tentando, como para os trabalhadores da montanha que precisam mover toda essa estrutura e se expõem mais aos riscos.

Para embasar minha afirmação, nada melhor que os números: Enquanto escrevo esta nota contabiliza-se 12 mortos em 2023 no Everest. Há mais 3 desaparecidos, que poderão aumentar este número, tornando esta temporada a terceira mais mortal da história, se igualando à famosa temporada de 1996!

Em 2015, 18 pessoas morreram em decorrência do terremoto que devastou o Nepal, um ano antes, quando morreram 17 foi uma grande avalanche que atingiu o campo base, matando de uma única vez 15 (outros dois morreram de outras causas) e em 1996 foi uma tempestade que em um único dia deixou 8 óbitos. Em 2023 não aconteceu nada disso!

De diferente houve apenas um maior afluxo de pessoas que demandou mais estrutura e mão de obra que se expõe aos perigos. De igual, a covardia do governo nepalês em não exigir experiencia para escalar a montanha mais alta do planeta.

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

7 Comentários

  1. Marcelo Zanetti Diniz em

    Oi Pedro!
    É possivel saber quantas pessoas tentaram subir o Everest esta temporada? Quantos tentaram e quantos alcançaram o topo? Pergunto porque me parece que muita gente vai para lá e assim esse número de mortes proporcionalmente a quantidade, volume de pessoas seria menor se comparado com anos anteriores onde menos pessoas.tentavam..
    Abraços

  2. Excelente artigo, Pedro. É preciso realmente pontuar todas essas questões, para evitar que o esporte deixe de ser vivenciado e experimentado como deve realmente ser.

  3. Olá, no texto há menção sobre não ter tido nenhum desastre natural em 2023, mas não houve uma avalanche na Cascata Khumbu, matando alguns sherpas que levavam equipo pra o Camp 1?

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