Em Busca da Grota Funda

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A idéia de um novo circuitão em Paranapiacaba não era nenhuma novidade. Foi apenas na ultima incursão à “Prainha do Rio Mogi“ q ela voltou à tona numa das paradas de descanso nas torres de alta tensão. Quem olha à oeste a encosta oposta pode vislumbrar duas linhas férreas – a do trem de cargas e do antigo Funicular – cortando paralelamente os contrafortes da imponente muralha esmeralda da Serra do Mar, assim como o leito pedregoso de um afluente do Mogi cavando um enorme e íngreme vale sob as duas linhas, popularmente conhecido como “Grota Funda“. A idéia de subir este fundo vale até o “Mirante“ ganhou força e materializou-se neste ultimo domingo de Páscoa, resultando num circuitão perrengoso e adrenado pelos arredores da tradicional vila inglesa. É a “Trilha do Córrego da 3ª Máquina“, “Trilha da Grota Funda“ ou até mesmo “Trilha da ´Ferradura´ do Mogi“.


Órfãos de um feriado prolongado repleto de chuvas, eu e o Nando insistimos mesmo assim em retornar às bandas de Paranapiacaba em dar vazão à idéia de subir a Grota Funda a partir do Rio Mogi. Afinal, pra andarilho q se preze não há tempo ruim. Dessa forma desembarcamos na vila inglesa pontualmente as 8:40, por incrível q pareça sob um tempo tremendamente promissor, com muito sol e frestas de céu azul no céu. Entretanto, do “Mirante do Mogi” a perspectiva já não era tão animadora assim, pois o vale do rio do mesmo nome e até Cubatão estavam totalmente imersas em densas brumas, sem gde visual. O GPS do Nando marcava estarmos na faixa dos 850m de altitude.

Mergulhamos na mata através da tradicional picada ” Raiz da Serra”, chapinhando entre charcos e brejos em virtude da abundante chuva dos últimos dias. Em ritmo de caminhada ágil atingimos rapidamente a 1ª torre de alta tensão, onde paramos por pouco tempo apenas pra vislumbrar nosso destino, bem mais abaixo do outro lado da encosta. Dando continuidade à pernada não demorou a desembocarmos na 2ª torre, onde fomos recebidos por um leve nevoeiro com direito a fina garoa. É, conforme perdíamos altitude dávamos adeus à qq tentativa de visual maior, já q a nevoa tendia a nos envolver cada vez mais em seus úmidos braços.

Mas ao adentrar novamente na trilha, não andamos nem 100m q a deixamos em favor de um enorme deslizamento à esquerda, por onde fomos descendo a íngreme encosta através de fácil desescalaminhada. Eram 9:30 e foi a partir daqui q a aventura de fato começou. Descemos até com certa agilidade o íngreme desbarrancado, ora chapinhando pelo pequeno córrego q por ele tb circulava, ora pelas pedras q ornavam o pequeno leito resultante. Eventualmente desviávamos pela mata a fim de evitar pirambas verticais, cachus maiores, enormes arvores tombadas ou trechos onde uma simples escalaminhada não desse conta.

As 10hrs caímos finalmente no Rio Mogi, na cota dos 564m de altitude. A nevoa q pairava no ar tornava a paisagem – composta de um rio íngreme abraçado por rochas enormes em meio a densa vegetação – ainda mais impressionante, conferindo-lhe um quê de místico. E lá fomos nos descendo novamente o rio, alternando as margens conforme as pedras permitiam acesso aos níveis mais baixos sem maiores dificuldades, e sempre usando tanto pés como mãos já q a maior parte do trajeto era liso feito sabão!

No caminho, inúmeros poços e pequenas cachus q fariam a cabeça de qq um num dia quente de verão, tanto é q num trecho havia uma barraca acampada num local plano em meio à mata. Seus ocupantes, porem, estavam mais abaixo, desfrutando de piscinões represados pelas enormes pedras q ornam este trecho do Rio Mogi caracterizado pela enorme declividade. Trocamos poucas palavras com os jovens, pois os mesmos nos olharam com certa desconfiança achando q éramos fiscais, e o odor pairando no ambiente sugeria q tava rolando uma “canabizinha” básica.

A pernada com desescalaminhada prosseguiu sem maiores dificuldades, alternando uma margem ou outra do rio ao mesmo tempo em q pequenas pererecas saltavam assustadas abrindo caminho diante nossa presença. Mas as 10:20 caímos num trecho do rio com um gigantesco desbarrancado ornando a margem esquerda, na cota dos 500m. Como o tempo estava envolto em brumas e a visibilidade não era lá essas coisas a ponto de visualizar as pontes e linhas férreas, ficamos na duvida se esse deslizamento corresponderia ou não à Grota Funda. Bem, como ainda era cedo decidimos mesmo assim subi-lo pra confirmar ou não essa suspeita, mas não sem antes uma breve parada de descanso pro Nando fumar seu Malboro e bebericar uma mini-pet de vinho q trazia a tiracolo.

Pois bem, após o relax iniciamos a subida pelo deslizamento, inicialmente sem mta dificuldade e declividade, com alguns trechos de fácil escalaminhada, mas após algum tempo a coisa mudou redondamente. Não demorou e vimos nosso trajeto sendo bloqueado por um enorme desbarrancado íngreme e vertical! Foi ai q o Nando suspeitou de q estávamos no lugar errado, pois pelas infos coletadas o acesso à Grota Funda não era tão difícil assim. Bem q tentei escalar a tal piramba, mas o terreno era instável demais, o solo era macio e a qq momento uma pedra ou agarra de sustentação poderiam se soltar levando meio barranco pra baixo, com risco real de sermos soterrados vivos!&nbsp, Wrong way!

Saímos dali rapidinho e voltamos pro Rio Mogi decididos a encontrar a Grota Funda, mais abaixo. Desescalaminhamos mais um tempo no mesmo compasso anterior, desta vez com direito a uma breve parada pra tchibum num belo poção no caminho. O desnível no geral foi bem alto neste percurso, onde as vezes o terreno parecia nivelar mas logo depois voltava a ganhar declividade novamente. No caminho, vestígios do passado ferroviário de Paranapiacaba surgem como enormes trilhos enferrujados, restos de tubulações, cabos de aço e antigas pontes pontilham aqui e ali às margens do rio, parcialmente soterrados tanto pelo tempo como pelas enormes pedras besuntadas de limo.

Foi aí q na cota dos 400m, as 11:30, numa das raras frestas de céu azul q despontaram em meio ao nevoeiro, pudemos visualizar a bendita ponte q pairava sobre a Grota Funda, próxima da gente em meio à mata. Uhúúú! Num piscar de olhos topamos com um segundo mega-deslizamento à nossa esquerda com um pequeno riachinho q escorria por entre as pedras, correspondente ao “Córrego da 3ª Máquina”! Enfim, estávamos no Vale da Grota Funda, q é divisa natural dos municípios de Sto André e Cubatão! Mais ao fundo podíamos vislumbrar sequencialmente as duas pontes sobre o vale, a da Cremalheira e do Funicular, q com seus quase 60m de altura ligavam os abismos verdejantes da serra. Estas pontes datam de 1889 e envoltas em brumas ganham um charme tremendo, tal qual uma volta no tempo.

Após um breve e merecido descanso iniciamos a subida do referido vale, avançando e ganhando altitude rapidamente em meio às pedras, sem maior dificuldade. Contudo, com a aproximação das pontes as coisas já deixaram de ser tão fáceis assim. Isto pq as laterais do vale tornaram-se mto mais verticais e com menos rochas e pedras à disposição, q ate então serviam de escadas naturais. Resultado: daqui em diante pra avançar havia q estudar qual dos lados era menos liso, dispunha de mais agarras e era mais fácil de escalar. Sim, escalar! E lá fomos nós, escalando as laterais pra ganhar altura feito lagartixas, eventualmente nos firmando no mato pra ter mais segurança. E assim fomos galgando níveis sucessivamente. Por sorte estávamos com mochilas de ataque e não cargueiras, pois havia trechos onde elas simplesmente não passariam alem tornarem nossa escalada bem menos segura.

Mas foi ai tb q o tempo fechou de vez, um denso nevoeiro abraçou o vale com td força e uma fina garoa passou a fustigar nosso rosto. PQP! Estávamos logo abaixo das pontes e ainda faltava um tantão pra escalar ate o Mirante, coisa de 200m quase verticais. Sem chance! Lógico q sem visual e a garoa caindo, escalar ate lá estava fora de cogitação, pois o risco de escorregar aumentava exponencialmente. Decidimos então desviar e subir à ponte do Funicular, pra dali retornar pela linha férrea à vila. Mas a pergunta q veio à mente era outra: como sair do vale pra cair na ponte? Pois bem, buscamos algum acesso e nada. Daí resolvemos varar mato pela encosta íngreme, azimutar a bussola pra linha do Funicular e simplesmente intereceptá-la nalgum ponto! Beleza.

Pois bem, conseguimos sair da Grota Funda através de uma íngreme encosta e mergulhamos na mata, subindo a mesma com alta declividade em meio à pedras, voçorocas de espinhos, samambaias e algumas taquarinhas. Tivemos q desviar bem mais pra direita q o previsto, uma vez q nosso azimute (esquerda) tendia nos levar a pirambas quase verticais. Pois bem, caímos então numa crista aberta, o q já era alguma coisa. Contudo, como o tempo estava td encoberto e a paisagem recorrente não passava de um branco fosco à nossa volta, qq tentativa de navegação visual era inútil, pois não enxergávamos a linha férrea, embora ouvíssemos vagamente o trem.

Resolvemos fazer uso do bendito GPS do Nando, cujas baterias já estavam fracas, mas pelo menos teve sobrevida graças às pilhas da minha maquina fotográfica. Pudemos então ver q estávamos numa crista próximos de uma suposta trilha de manutenção da linha férrea, o q era atestado pelas escadas de cimento cobertas de mato encontradas no trajeto. Foi ai q decidimos não interceptar mais o Funicular e nos manter na crista, subindo a mesma indefinidamente, pois pelas coordenadas plotadas cairíamos no alto da serra, isto é, próximo do Mirante. Beleza.

E lá fomos nos, ganhando sucessivos cocorutos cobertos de arbustos e capim em meio ao nevoeiro, eventualmente nos enfiando em focos de mata maiores. Mas não tardou depois a mergulhar na mata fechada em definitivo, porem sempre subindo e nos mantendo na crista, sentido nordeste. A varação de mato era constante mas sem maiores dificuldades, onde eu e o Nando nos revezávamos na dianteira abrindo caminho, e a cada 10min ligávamos o GPS pra conferir se estávamos na direção certa, buscando tb economizar a bateria do aparelho. Ate lá estávamos todos sujos de terra e mato, alem de totalmente ensopados, enxugando a mata à nossa volta. Não bastasse isso, começou a chover com fortes rajadas de vento castigando a mata e só não sentimos frio pq nosso sangue e adrenalina estavam a mil, e nos mais, preocupados em ganhar os 200m de altitude em menos de 1km de distancia q nos separavam do bendito Mirante.

Após um longo trecho íngreme o terreno aparentou nivelar com mais suavidade, denunciando uma crista florestada mais ampla e larga. Dito e feito, as 15:20 após varar voçorocas de capim-gordura tropeçamos com a picada do “Mirante” e da “Pedra Lisa”, no alto da serra! Uma felicidade indescritível tomou conta da gente, pois agora bastava tomar a picada sentido contrario ate a vila! Retornamos então em ritmo apressado, passamos pela “Pedra do Índio” e num piscar de olhos desembocávamos na estradinha de paralelepípedos, no mesmo instante em q a chuva parecia diminuir de intensidade. Ao passar pela guarita apenas acenamos um cordial “Beleza aí?” a um bocejante guardinha municipal de plantão, q deve ter olhado com espanto àqueles dois elementos emporcalhados feito pinto-molhado saindo do “Pq das Nascentes de Paranapiacaba”.

Chegamos na vila às 16hrs, por sua vez totalmente imersa em seu tradicional “fog londrino”, sem visual nenhum tanto da parte alta como de um palmo à nossa frente. Na casa da Dna Francisca trocamos as vestes molhadas por outras mais secas, e na seqüência fomos bebemorar num boteco próximo a empreitada perrengosa daquele dia. Bebemoração esta q seria complementada mais tarde por uma suculenta e deliciosa pizza, apesar dos ralados, cortes, dores musculares e contusões no corpo – agora frio -&nbsp, começarem já a dar o ar da graça. Mas e daí? É o preço nada mais q justo. O tributo físico mais q merecido pra desbravar o Vale da Grota Funda, mais um belo e pitoresco rincão desta fantástica Serra do Mar q circunda os arredores de Paranapiacaba.

Obs: no mesmo instante de nossa incursão, outro grupo maior continuava perdido na Serra do Mar na região de Marsilac, provavelmente em virtude do péssimo tempo q tb nos surpreendeu.

Texto: Jorge Soto / Fotos: Nando Gil
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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