Seu pai era o maior mentiroso do planeta, contava seu filho. Um dia saí com os dois num barco precário, para mergulharmos nas Ilhas Cagarras, frontais à cidade do Rio de Janeiro. No barco o pai contou, sob o olhar irônico do filho, que tinha sido difícil ele sobreviver a seu próprio nascimento na Finlândia, a 40⁰ abaixo de zero.
E aquele era um dos dias mais quentes do ano. Ao aportarmos na ilha, felizmente havia um pé de pitanga que saciou nossa sede. Eu era um jovem antes dos trinta anos. Desde então, foi uma das poucas vezes em que vi uma pitangueira. Até mesmo o suco normalmente é difícil de encontrar. Acho que as pitangas estão em extinção.
Estava viajando pelo Nordeste e conheci a seriguela, uma frutinha de um belo vermelho alaranjado, com uma polpa entre doce e ácida. Achei-a deliciosa e consegui um galho, que plantei no interior de São Paulo.
Anos depois, visitei-a, para descobrir que havia crescido muito pouco. Mas talvez isto fosse devido á natureza estreita e lenhosa da árvore. Nunca mais vi a minha planta e, desde então, poucas vezes voltei a provar de seu fruto. Acho que a seriguela também está desaparecendo.

O variado colorido das seriguelas.
Todas as tardes nas férias nossa avó se postava embaixo de uma jabuticabeira. Eu subia por seus finos galhos, colhia as frutas numa caneca e passava para ela cheia daquelas pequenas bolas pretas e brilhosas.
Ela adorava as jabuticabas, comia numa velocidade impressionante que mal me permitia reabastecer. Essa fruta produz uma leve fermentação e uma tarde nossa avó saiu do pomar falando coisas estranhas, num linguajar confuso. Ela simplesmente tinha ficado bêbada.

As saborosas jabuticabas coladas aos galhos.
O pileque passou e penso que as jabuticabas também estão passando. Quase não mais vejo suas árvores delicadas e sombreadas e só em lugares especiais consigo encontrá-las. Estão sumindo aos poucos, como as goiabas nos brejos.
Vou lhe falar agora do abiu, que foi capaz de fazer minha infância mais feliz. A árvore, com seu porte mediano e suas grandes folhas verdes, parecia tão completamente brasileira que me surpreende tenha desaparecido.
Ainda mais porque o abiu é uma fruta linda, com um corpo oblongo numa forte cor amarela. Cortada ao meio, mostra a sua única semente preta, vertical e comprida, e sua polpa branca e translúcida. O abiu é fácil de comer e saborosamente doce. Como ele pode ter se extinguido?

Os belos e doces abius.
A cagaita merece o nome porque é laxante. Sua árvore é pequena e bonita, em especial quando florida, chegando a ser ornamental. O umbuzeiro é uma árvore milagrosa, armazena a água nos terrenos secos. Se a cagaita é bem doce, o umbu é deliciosamente azedo.
Dois arbustos bem comuns são a amarga gabiroba e o ácido murici. São todas elas frutas do cerrado. E, nesta região, os cocos dos buritis e bocaiuvas, dos babaçus, macaúbas e bacuris são também sempre usados nos sorvetes.

A cagaiteira florida.
Na primeira vez em que provei os sorvetes do cerrado, fiquei maravilhado com sua diversidade. Pensei que provinham de variados plantios. Só depois fui perceber o motivo dessa variedade. Suas árvores frutificam em épocas diferentes, sendo cada qual colhida na sua estação. Quase não há cultivo, a variedade resulta da apanha oportunística.
Quando acabam as cagaitas de agosto ou setembro, colhe-se as bocaiuvas de outubro e os muricis de novembro, ou então os pequis de janeiro e fevereiro, as gabirobas de março e abril ou os cajás de maio em diante. Um dia, só teremos sorvetes de limão, coco e chocolate.
Costumo dizer que há uma praia que você só deve conhecer aos oitenta anos, pois depois dela todas as demais lhe parecerão banais. Fica na Bahia, na Península de Maraú – isto se ela não for detonada pelos acessos melhorados e pelos projetos imobiliários.
Foi lá que experimentei uma fruta ignorada no Sudeste, e pouco conhecida até mesmo na Bahia: o biri-biri. São bagas verdes que nascem numa bela árvore, com elegantes folhas alongadas. O biri-biri tem muitos nomes, mas dois deles são para mim especiais: limão de Caiena (pois foi introduzida a partir da Guiana) e caramboleira amarela (pois pertence à família da carambola).

As delicadas folhas e os saborosos frutos do biri-biri.
E este é, a meu ver, o sabor que possui – um delicado limão com perfume de carambola. Suponho que não haja nenhuma caipirinha mais deliciosa do que a feita com esta fruta. Espero que não desapareça no Nordeste antes de ser introduzida no Sul.
Mas existem também histórias edificantes, entre elas a do kiwi. Sempre existiu na China, mas seu cultivo só prosperou na Nova Zelândia em pleno século XX. O nome foi criado lá, referindo-se a uma ave na língua aborígine maori. Em meados do século passado o kiwi alcançou o mundo, com plantios desde a Itália e os Estados Unidos até o Chile e o Japão.
O curioso é que o kiwi é uma trepadeira, com produção morosa, que exige sombra, poda e solo fértil. Ou seja, um cultivo custoso e difícil. É triste compará-lo com tantas de nossas frutas nativas que o descaso está levando ao sumiço.
Mas acho o cupuaçu o príncipe de todos os frutos. Provém de uma árvore amazônica de folhas longas que lembram as do cacaueiro, ao qual é aparentado. A fruta é diferente, semelhante a um cartucho castanho de casca dura e lisa.
Mas o seu interior guarda uma maravilhosa polpa clara, de aplicações alimentícias, medicinais e cosméticas. Não há a meu ver nenhum sabor comparável: forte e aromático, ao mesmo tempo doce, azedo, salgado e ácido.

Cupuaçu, o príncipe dos frutos.
Pois o cupuaçu foi alvo de biopirataria: a Asahi Foods japonesa obteve o registro mundial e exclusivo do nome. Foi só após o esforço de uma ONG privada do Acre para cancelar o registro que as chamadas autoridades brasileiras se mobilizaram. A Asahi acabou desistindo da patente. O açaí também foi alvo de uma investida semelhante e frustrada.
Mas talvez não sejam má ideia essas patentes estrangeiras. Quem sabe, assim protegidos, os tamarindos, araticuns, mangabas e jenipapos possam sobreviver, junto com tantas das frutas desse artigo.
1 comentário
muito legal o artigo, obrigado! Anotei mais umas para manter o olhar atento nas andanças pelas matas.