Henrique (Vitamina) Schmidlin e Júlio César Fiori são dois ícones do Montanhismo Paranaense. Ouço histórias sobre o Vita desde os tempos de minha iniciação (há 18 anos) e acompanho os escritos de Fiori desde a fundação de Alta Montanha. O primeiro contato (virtual) com o Vita (por intermédio de Geraldo Barfknecht) deu-se devido ao movimento em prol do resgate do nome histórico do Pico Agudo de Sapopema (Ybiangi) e intensificou-se após a abertura da Travessia da Serra Grande de Ortigueira em 2020. Com o Fiori o diálogo iniciou-se em 2019, logo após completarmos a mítica Travessia Alpha Ômega no Marumbi.
Em 2020, recebi o convite para escrever um Capítulo sobre os Agudos do Tibagi para a obra Puro Montanhismo: Os Conquistadores, recentemente lançada. Dá pra imaginar o tamanho de minha alegria! Em um domingo chuvoso lancei-me às letras e enviei o esboço ao Fiori, esperando por um feedback inicial. Para minha surpresa, já na segunda, recebi uma mensagem dizendo que o Capítulo estava aprovado. Com as prévias e revisões, as conversas foram se tornando mais frequentes e, por derradeiro, para comemorar o lançamento, Fiori me convidou para um jantar com o Vita e uma Montanha de minha escolha.
O feriado de 07 de Setembro se aproximava e as previsões climáticas eram otimistas. Na quarta contatei o Fiori e disse que ainda não conhecia o enigmático Pico X. A resposta foi direta: venha! Na sexta, às 15h, com esposa e o filho mais velho, partimos de Rolândia. Seguimos para a Capital pela Rodovia do Cerne (para fugir das obras e outros inconvenientes). Próximo às 20h30 chegamos à casa do Fiori. Baita emoção! Finalmente, conheceria as duas lendas! Toquei o interfone e o Grande Fiori apareceu. Cumprimentos efusivos! Na sala, o Grande Mestre Vita me aguardava e, como velhos amigos, nos abraçamos!
A mamãe foi recepcionada pelas simpaticíssimas Solange Fiori e Dulcinéia Schmidlin. Fiori nos conduziu ao jardim onde pude acender meu cachimbo, apreciar um bom vinho e conversar com os Mestres sobre os mais variados temas, além dos bastidores do nosso Montanhismo. Lá pelas 22h30 o Vita nos chamou a atenção: precisávamos dormir para o dia seguinte. Seguimos para o hotel e deitamos às 24h. Os 450km somados à emoção do encontro e a expectativa pelo dia seguinte dificultaram o meu sono. A última vez que olhei o relógio eram 3h! Somente após ligar o foda-se, consegui dar uns cochilos.
O despertador tocou às 5h45 e começamos a arrumar as tralhas. Busquei o carro, tomamos um café no Hotel e seguimos para a casa do Fiori às 6h40. Partimos de Curitiba rumo à BR 277 e às 8h estacionamos em uma entradinha ao lado do começo da trilha. O Fiori me olhou sério e disse: Acho que está bom aqui. Existe um risco de sermos guinchados, mas dado o tráfego intenso do feriado prolongado, talvez eles não se preocupem com nossos carros… Fiquei ressabiado, mas concordei. Sem mais delongas, metemos os pés na trilha!
O trecho inicial é muito interessante e percorre o leito de uma antiga estrada (construída em 1980) exclusivamente para as carretas que transportavam equipamentos para a usina de Itaipu, vez que os viadutos da serra não suportariam o imenso peso da carga. Um pouco além, saímos da antiga estrada à esquerda e passamos a subir pesado. Fiori narrou que devido aos trabalhos de finalização, diagramação e lançamento do livro andava meio parado, mas como bom e velho montanhista que é, ditou um bom ritmo à pernada!
Vários riachos se sucederam e a prosa fluía agradável. Após algumas horas, entre as imensas árvores repletas de bromélias e orquídeas, o Fiori nos mostrou a silhueta interessante da Touca de Duende. Paramos na cachoeira para fazer um lanche, antes de tocar direto para o Primeiro de Maio. Enquanto saboreava sua merecida cigarrilha, Fiori contou algumas de suas experiências andinas, de jovem mochileiro, além das façanhas ainda não publicadas do grande Vita.
O papo estava interessantíssimo, a paragem extremamente agradável, mas era preciso seguir em frente. Após mais 1h30 de caminhada chegamos aos campos do Primeiro de Maio. Um gigantesco mar de nuvens imperava na Serra e cobria o Pico X. Fiori me olhou e disse: Vou esperá-los aqui. Sigam em frente, em uma hora vocês chegarão ao Pico X. Agradeci ao Mestre. Agora era comigo. Toquei em frente e logo entramos novamente no império da Floresta Nebular.
A trilha seguia em um rumo diferente do Pico X e logo chegamos ao Bosque Fantasmagórico. Neste ponto a trilha azimuta e, após um córrego, começa a subir as encostas. Gigantescos blocos de granito e a visível transição da vegetação eram o prenúncio da proximidade do cume. Pouco depois, atingimos os campos! Imediatamente escutamos um grito longínquo e avistamos o Fiori acenando para nós do Primeiro de Maio. O mar de nuvens estava fodástico!
Fizemos algumas fotos, mas comentei que ainda não era o cume. Devia faltar pouco. A mamãe disse que estava satisfeita e que ficaria por ali apreciando o visual. Segui com o Thomas e após 15 minutos avistamos a pedra com a rústica escultura de metal onde se lê: Pico X. Os urubus alçaram voo e logo estávamos saltando blocos até o cume. Não encontramos a caixa do livro e presumo que a icônica escultura, infelizmente, terá o mesmo destino, já que se encontra solta.
Fizemos alguns registros, enquanto a mamãe gritava para retornarmos. Queríamos permanecer naquele cenário deslumbrante, mas 13h40 deixamos o cume. Próximo às 15h chegamos ao cruzo do Primeiro de Maio onde o Fiori nos aguardava. Ele indagou-me se o nível de esforço da trilha era comparado à Torre da Prata ou à Pedra Branca do Araraquara. Considero que minha resposta foi imprecisa, pois a memória desta última montanha é mais recente…
Começamos a descer forte. As horas se sucederam e a trilha parecia se alongar cada vez mais. Fiori perguntou ao Thomas se o ditado para baixo todo santo ajuda estava correto e a resposta foi contrária: É pra cima que todo santo ajuda! A luminosidade começava a diminuir e a cerração imperava. Aceleramos. Quando estávamos prestes a acender as lanternas, começamos a ouvir os ruídos dos veículos. Pouco mais adiante, chegamos à antiga estrada de Itaipu.
Neste momento, Fiori lançou uma dúvida angustiante: Agora é torcer para não termos sido guinchados, ou para que as rodas ainda estejam nos veículos… Puta que pariu! Não é que ele tinha razão: Para um malandro, naquela confusão de véspera do feriadão, ter roubado nossas rodas, não teria sido tarefa difícil… Os estampidos dos motores foram aumentando e logo percebemos um clarão que indicava o final da trilha. Alívio geral ao vermos os veículos intactos!
A vida é uma marcha inexorável. Agora, o memorável jantar com os Mestres e a ascensão ao enigmático Pico X faziam parte de nossa memória. Já com saudades, abraçamos o Mestre, agradecemos pelo maravilhoso final de semana e renovamos o convite para os Agudos do Tibagi. Entramos no veículo já sob os últimos raios de sol e seguimos para Guaratuba onde um merecido descanso nos aguardava…
NOTA: Após concluir este relato, o apresentei a mamãe. Ela comentou que teve a impressão que a história continua… Ainda bem! Estamos planejando nova empreitada em uma imponente Montanha que tenho namorado há muitos anos! Para minha imensa alegria, desde nossa primeira conversa, o Fiori abraçou com entusiasmo a ideia, já iniciou pesquisas e tem convocado um time de lendas para viabilizá-la! É isso aí, caros amigos e leitores: Aguardem as cenas dos próximos Capítulos…
1 comentário
Paulo, parabéns pela sua aventura! O Pico X é uma montanha mágica que desperta o interesse de poucos montanhistas. Mal sabem os outros que essa é uma das joias da Serra do Mar.
Pelo que li pude perceber que você foi pelo melhor caminho, pois ela é protegida por diversas gretas e um floresta difícil de atravessar. Definitivamente é uma montanha para poucos, apenas para os puros de coração! Deve ser por isso que o Fiori ficou para trás!!!
Parabéns!