Escalando as quatro montanhas mais altas da Bolívia – Illampu

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O Illampu é a quarta montanha mais alta da Bolívia, mas é muito mais do que só isso. É a montanha de seis mil metros mais difícil do país! Até então, somente uma expedição brasileira havia feito cume nela, foi com Waldemar Niclevicz e Irivan Burda em 2002.

Ao descer do Ancohuma, a terceira montanha mais alta da Bolívia, tivemos uma boa surpresa ao chegar ao Hotel, nossa amiga Isabel Suppé estava lá! Conhecemos Isabel no Illimani. Ela é alemã, mas mora e adora a Argentina. Acabamos nos tornando amigos e agora ela estava se juntando a nós para escalar a montanha mais difícil daquela expedição.

Passamos alguns dias em Sorata descansando. Tive problemas de saúde (acabei contraindo giardíase) e por isso tivemos que esperar. Após resolvermos estes problemas, pegamos nosso carro e fomos para a montanha.

O plano era fazer a aproximação do Illampu desde a vila de Ancoma, que é um local esquecido no tempo, no meio da Cordilheira Real. Foram apenas 45 Km de estrada entre Sorata e esta vila e isso demorou 4 horas! Tamanho era a precariedade da estrada.

O caminho subia as montanhas, chegando até 4600 metros de altitude. Durante o percurso, a estrada ficava tão estreita, que não cabiam dois veículos. As curvas eram fechadas e não dava para enxergar quem vinha na contra mão. Era preciso buzinar todo o momento para evitar uma colisão frontal. Meu maior receio, entretanto, não era chocar com outro carro, mas sim desviar dos buracos.

A estrada não tinha nenhuma manutenção, havia sulcos gigantes por onde as rodas dos carros passavam, a saliência do meio da pista raspava no centro do meu carro, que já tem um piso alto! Eu tinha que andar com uma roda sobre a corcova do caminho entre as rodas e outra quase caindo o precipício de centenas de metros que havia do lado da estrada. Cheguei em Ancoma extasiado de medo só de pensar que teria que voltar tudo aquilo de novo!

A vila de Ancoma, por sua vez, era tão pitoresca que parecia uma vila himalaica. Parecíamos que estávamos no Tibet! Lá, ninguém falava espanhol direito, só Aymará! Tentamos em vão conseguir alguém que tivesse uma mula para carregar nossas mochilas até o acampamento base do Illampu. Acabamos por ir carregando todo o peso nas costas, como sempre fizemos.

O problema era que a gente não tinha informações sobre como ir para Águas Calientes, o primeiro acampamento da montanha. Acabamos nos perdendo no caminho e nos “achando ” sem saber ao certo o caminho correto.

Atravessamos um vale maravilhoso recoberto de pequenas árvores, as Queñuas. Ao fundo, de todos os lugares deste vale, podíamos ver uma enorme cachoeira que se formava do derretimento das geleiras do Illampu. Demoramos cerca de 6 horas e chegamos à Águas Calientes, onde montamos nossa barraca e tivemos uma noite super confortável.

Aproximando o Illampu.

Junto com nós havia um casal da Austrália que estava fazendo trekking e que não subiu a montanha e uma dupla de montanhistas franceses que estavam viajando de bicicleta! Além deles, havia uma barraca vazia de uma expedição espanhola super bem equipada e cheio de Sherpas, ou melhor, de bolivianos carregadores…

No dia seguinte, acordamos sem pressa e para poupar peso, decidimos deixar a comida da descida escondida. Maximo achou bom deixar também sua bota e outros equipamentos que não ia precisar lá em cima.

A trilha não era muito fácil. Já começava íngreme no começo, ganhando bastante altura. Tínhamos que atravessar um divisor de vales e logo, começamos a descer tudo o que já tínhamos subido.

O vale adjacente ao de Águas Calientes era mais um daqueles vales em forma de “U” que foram esculpidos por grandes geleiras já derretidas. Subimos por grandes trepa pedras, até começar a subir por uma moraina lateral com muito material detrítico, de difícil progressão. Eu que estava com minha bota Nômade, não tive muita dificuldade, mas Maximo e Isabel que estavam com botas rígidas sofreram um monte.

Isabel e Maximo com o vale do Illampu ao fundo.

Encontramos na subida os donos da barraca vazia em Águas Calientes. Os espanhóis super bem equipados e assessorados estavam descendo a montanha, depois de abandonar o tento.

Após vencer as morainas, chegamos a um glaciar. Troquei de botas, coloquei os crampons e continuei subindo, atravessando zonas de gelo sujo, depois penitentes e logo, após vencer uma ponte de gelo bem estável, cheguei a um circo que delimitava o fim do vale. Dali pra cima era só escalando.

Isabel e Maximo vieram em seguida. Fixamos nosso acampamento em cima da geleira, soterrando bastões para prender a barraca no gelo. O dia terminou com três montanhistas cansados dentro da barraca. Estávamos eufóricos, pois o tempo estava muito bom!

O relógio despertou às duas da manhã. Alguém teve a péssima ideia de continuar dormindo mais uma hora e às três, despertei-me sem dar chances para mais um palpite preguiçoso. Comemos um purê de batata liofilizado e bebemos suco e logo estávamos atravessando o terreno plano do circo glaciar, saltando suas armadilhas ocultas e chegando antes do sol nascer na base da parede.

Uma grande greta separava o terreno plano da parede de gelo. Maximo pegou a ponta da corda sem hesitar e guiou uma primeira enfiada, encontrando uma ponte de gelo e vencendo o Bergschrund. Eu e Isabel fomos em seguida, escalando em simultâneo cada um em uma corda dupla.

Isabel no começo da parede de gelo do Illampu.

O procedimento foi se repetido, sempre comigo ou Isabel alternando na segurança para Maximo. Ganhávamos altura devagar, mas fazíamos da maneira mais segura. Acima de nós, pudemos ver os franceses escalar rapidamente e sumirem no final da parede, que tem mais de 300 metros de altura.

Lá pelas 10 da manhã, minha barriga começou a se manifestar e senti uma súbita vontade de ir para ao banheiro, desesperado para não cagar nas calças, tive que tirar a cadeirinha e a roupa rapidamente e fazer tudo em cima de uma pedra inclinada, me segurando com uma mão e a outra segurando minha calça para não suja com os jatos de merda liquida. A manobra, arriscada, deu certo, e consegui me esvaziar. Foi um tanto quanto constrangedor ter que fazer isso na frente de uma mulher, mas por sorte ela estava lá, pois eu e o Maximo não havíamos levado papel higiênico!

Passado este aperto, continuamos a escalada, mas só chegamos no topo da parede às 14 horas!!!

Era super tarde e o tempo estava mostrando sinais de piora, pois o cume já estava encoberto por nuvens. Os franceses já haviam escalado e descido a montanha. Claro, eles estavam em dois e escalaram tudo simultaneamente.

Foram minutos de indecisão. Já havíamos escalado o mais difícil, estávamos super cansados. Eu, por precaução, queria descer a montanha, mas Maximo, no entanto, me chamou de maricas e decidiu continuar. Eu acabei aceitando, com a condição de que se não chegássemos no cume até as 16 horas, desceríamos imediatamente.

Deixamos mochilas e material técnico em cima da parede e continuamos a subida. Havia vários rampões de neve bastante branda, o que era muito cansativo, pois afundávamos até o joelho.

Com muita determinação decidi não olhar para cima, apenas para o local onde iria pisar, passo após passo. Nada de olhar, só de continuar. Contei para Isabel a estratégia e ela sentiu rapidamente o resultado… Fomos progredindo sem notar a velocidade.

Após dois rampões de neve, cheguei a uma ombreira , de onde saia uma rampa mais inclinada, algo como 65 graus em neve!  O caminho já estava todo marcado pelos franceses, assim fui somente seguindo suas pegadas. Ao final do rampão, uma surpresa: Cume!

Subida ao cume do Illampu.

O topo da montanha era estreito. Havia cornijas que faziam tetos de neve sobre a parede por onde escalamos. Lá de cima pude ver toda a cordilheira Real, com destaque para o Ancohuma bem ao nosso lado! No horizonte via-se perfeitamente o Lago Titicaca e ao norte a Cordilheira de Apolobamba. Foi uma visão maravilhosa, coroado pela luz do fim de tarde, que se aproximava…

Cume do Illampu

O cume do Illampu.

Já se passava das 16 horas quando resolvemos descer. Chegamos ao topo da parede às 18 para começarmos a descer com muita dificuldade, pois nas últimas enfiadas, que eram pouco inclinadas, haviam muitos penitentes e era difícil fazer rapel, pois a corda podia enroscar nestas pontas afiadas de gelo. 

Desci, contra a vontade de Maximo, solando duas enfiadas. Era perigoso, mas era mais rápido e não havia o risco de termos que subir para resgatar corda enroscada no gelo.

Acabei chegando a um lugar onde a parede fazia uma inclinação mais abrupta e ali fixamos um primeiro rapel, batendo uma estaca de gelo e descendo 60 metros pela corda.

No segundo rapel já estava de noite e fazia muito frio. Rapelávamos no escuro, sem ter certeza de que estávamos no local certo. No meio da noite uma grande notícia! Maximo, depois de descer os 60 metros de corda que dispúnhamos, encontrou meu banheiro matinal. Estávamos à caminho de casa, ou melhor, da barraca!

Foram 8 rapéis de 60 metros na parede. Em todos abandonamos uma estaca de gelo… Na internet, vários montanhistas dizem que esta parede tem apenas 300 metros de altura, entretanto descemos 480 metros rapelando e outros tantos desescalando….

De volta ao chão semi firme, caminhamos eufóricos o que nos separava da barraca. Foram metros de caminhada muito valentes, afinal já era 10 da noite, ou seja 18 horas depois que havíamos saído da barraca para fazer cume na montanha!

Dormi muito mal, de tão cansado. Acordamos no dia seguinte super tarde, com a barraca açoitada por ventos, que de tão forte, jogou uma garrafa de água minha para dentro de uma greta.

Parede do Illampu

Acampamento alto do Illampu.Desci devagar todo o caminho que nos separava de Água Calientes naquele dia. Foi muito cansativo. Lá em baixo, tivemos a desagradável surpresa de que alguém tinha roubado nossa comida, deixada para a volta, e também a bota do Maximo. Ele teve que, no dia seguinte, descer até Ancoma com as botas rígidas de neve, mas isso foi fichinha perto do que eu sofri para voltar à Sorata com o carro.

Em Sorata, nos reencontramos com os franceses que haviam escalado a montanha também. Eles estavam preocupados, pois durante a escalada deles, eles viram muitos blocos de pedra caindo da parede e como nos atrasamos, o risco ficou maior no final do dia. Por sorte não pegamos nenhuma destas avalanches de pedra.

Cumprida a missão de escalar as quatro montanhas mais altas de Bolívia, eu já não estava com muitos ânimos para continuar escalando. Maximo ainda queria escalar a face Oeste do Huayna Potosi, mas como a temporada já estava no final, decidimos por pegar estrada e voltar ao Brasil.

“Road Trips” são muito legais quando o objetivo é escalar. Mas dependendo de onde você está, o fato de estar com um carro acaba sendo um fator a mais de preocupação. Nesta viagem na Bolívia, ter disponível um carro foi fundamental para escalar, ainda mais em condições tão adversas. Entretanto tive muito medo de ver meu carro quebrado no meio da estrada. Na Bolívia não há muitos carros da mesma marca que o meu, então se eu precisasse de peças lá, eu estaria perdido.

Nesta viagem, tanto as escaladas, quanto a estrada, tudo, foi uma aventura! Contando outras expedições anteriores, eu acabei por acumular em meu curriculum sete montanhas com mais de seis mil metros na Bolívia, sendo que consegui fazer uma seqüência, não só de quatro, mas sim das seis mais altas do país. Falando em números, esta foi minha décima expedição aos Andes, minha trigésima terceira montanha. Destas, vinte e três com cume…. Acho que não é nada mal pra quem tem apenas 27 anos de idade e 11 de montanhismo! Acho que minha quilometragem em montanha está bem alta, e nestes cálculos, quanto mais velho o “carro”, melhor!

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

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