Quantas montanhas há na Serra do Caparaó?

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Dando sequência à série de artigos revisando a lista de montanhas brasileiras, desta vez me dedico a elucidar quantas montanhas há na Serra do Caparaó. A resposta desta pergunta, que é o objetivo deste artigo, vem a elucidar questões relativas às inconsistências da lista de montanhas do Brasil divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.

Há bastante tempo o IBGE publica em seu Anuário Estatístico Brasileiro, uma lista em ordem decrescente dos cumes mais altos do Brasil. No entanto, todos sabem que o que faz uma montanha ser uma montanha não é a altitude de seu cume, mas sim sua proeminência e destaque na paisagem. Isso ocorre pois muitas montanhas grandes têm vários sub cumes muito próximos e que de maneira algum podemos taxar estes sub cumes de montanhas independentes.

Também é comum a existência de morros que se elevam desde grandes planaltos, onde seus cumes atingem grandes altitudes, mas suas formas não deixam negar que muitos destes casos não são montanhas também! Para tanto, afim de sairmos da superficialidade, até por que forma também não interessa. É na matemática e com método científico que vamos distinguir uma montanha de um morro ou um sub cume. Vamos usar critérios matemáticos, técnicos e científicos para acabar de uma vez por todas sobre estas polêmicas.

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A Serra do Caparaó

A Serra do Caparaó é famosa por abrigar uma das montanhas mais altas do Brasil, o Pico da Bandeira, que no passado chegou a ser considerada o ponto mais alto de nosso país e que mede 2891 metros de altitude.

Montanhas do PN Caparaó, MG (Fonte: Léa Cristina)

O Caparaó, no entanto, não é uma serra de uma montanha só. Muita gente que vai para a região, que está protegida pelo Parque Nacional do Caparaó, acaba ascendendo outras montanhas que também figuram entre as mais altas do país, mas será que estas outras montanhas são montanhas mesmo?

Conceitos de montanha

Na Geomorfologia, que é a ciência do relevo, montanha é qualquer elevação topográfica que apresente uma proeminência maior que 300 metros. Ou seja, da base ao cume é preciso ter esta altura, não importando a altitude. Para elevações inferiores a 300 metros, estas formas de relevo são chamadas de morros. Há outras toponímias que se referem a estas formas de relevo, como picos, agulhas, chapadas que tem mais a ver com suas formas do que se são montanhas ou morros. Estas definições não são minha opinião, são convenções cientificas que constam em qualquer dicionário geológico geomorfológico.

Além deste conceito sobre o que é uma montanha, há outro menos conhecido, mas muito mais justo, que é o Índice de Dominância que mede a porcentagem de destaque topográfico entre uma elevação topográfica e outra adjacente. Por convenção, é considerado montanha a elevação que apresentar uma dominância superior a 7%. Por ser um conceito que mede um porcentual, é muito mais justo, tanto para montanhas muito grande, onde 300 metros de desnível não é nada, como para montanhas de baixa altitude, onde 300 metros é muita coisa. Abaixo tenho um artigo específico que explica como se calcula o Índice de Dominância, caso queiram se aprofundar.

O que faz uma montanha ser uma montanha? O índice de Dominância

Não são montanhas na Serra do Caparaó

Mapa da Serra do Caparaó. Fonte Open Topo Map.

Pico do Calçado: 2849 metros

Ninguém se surpreende com a retirada do Calçado da lista das montanhas mais altas do Brasil pelo IBGE, pois o Calçado é um ombro, do Pico da Bandeira. Ele apresenta um destaque topográfico mínimo, pois a crista que o separa do Pico da Bandeira encontra sua altitude mínima por volta dos 2803 metros, ou seja ele tem uma proeminência de cerca de 46 metros ou 1,61% de dominância. Ter no passado considerado o Calçado como uma montanha foi o maior deslize topográfico da história do IBGE.

Pico do Calçado. Fonte Wikimapia

Pico do Cristal: 2769 metros

O Cristal é um destino clássico no montanhismo da Serra do Caparaó. É uma elevação que chamada atenção, com um formato piramidal de grande beleza cênica, porém infelizmente o colo que o separa do Pico da Bandeira é muito alto, localizado a 2627 metros de altitude. Por isso, o Cristal tem um desnível topográfico de apenas 142 metros e uma dominância de somente 5,12%, insuficiente para ser considerado uma montanha independente em qualquer conceito. O Pico do Cristal é um morro!

Pico do Cristal é um morro. Fonte da imagem Wikipedia.

Cruz de Negro: 2658 metros

A Cruz de Negro é uma das montanhas que figuram na lista das maiores montanhas do Brasil do IBGE, mas vejamos se nos critérios técnico científicos ela tem independência. O colo que separa esta elevação ao Bandeira está localizado numa altitude de 2508 metros, o que é muito alto. Isso confere à Cruz de Negro uma proeminência topográfica de apenas 150 metros e um índice de Dominância de apenas 5,64%. A Cruz de Negro é um morro!

Morro da Cruz de Negro. Fonte Parofes.

Pedra Roxa 2649 metros

Localizado perto do Pico da Bandeira, a Pedra Roxa é unida a ela por um colo que em sua porção mais baixa apresenta uma altitude de 2538 metros de altitude, o que confere uma proeminência de apenas 111 metros e um índice de dominância de 4,19%. A Pedra Roxa é um sub cume do Pico da Bandeira.

Quais cumes são montanhas na Serra do Caparaó?

Pico da Bandeira 2891 metros

É sem dúvida uma montanha o ponto culminante do Caparaó. Não posso afirmar em que posição é o Caparaó na lista das montanhas mais altas do Brasil, pois como podem perceber, a falta de um critério do IBGE colocou muitos morros com altitudes elevadas como se fossem montanhas e esta lista precisa ser revista urgentemente! Porém o Pico da Bandeira é uma montanha sem sombra de dúvidas.

A montanha pai do Bandeira é o Pico da Neblina, distante milhares de quilômetros. O Neblina fica ao norte do rio Amazonas e há muito tempo sabemos que a bacia amazônica é tão rebaixada que o Rio Negro se conectou com o Orenoco em um canal a 80 metros de altitude na localidade de Cocuy, fronteira Brasil com Venezuela. Por conceito, este seria o colo entre o Bandeira e o Neblina.

Fazendo os cálculos, são 2811 metros de proeminência topográfica e 97,23% de dominância. Uma das maiores dominâncias continentais do mundo!

Pico da Bandeira na Serra do Caparaó.

Pico do Tesouro ou Cabritos 2620 metros

O Pico do Tesouro é a segunda montanha da Serra do Caparaó. O colo que a separa do Bandeira atinge a altitude de 2382 metros, dando a ela uma proeminência de 238 metros. Notem que esta proeminência não é suficiente para, no critério geomorfológico, o Tesouro ser considerado uma montanha independente, sendo então classificada como um morro. No entanto, ela tem uma Dominância de 9%, o que a faz ser uma montanha neste critério. Por outro lado o Tesourinho (2584m), como é chamado seu cume acessório, não tem nem desnível e nem dominância para ser considerado uma montanha, sendo um sub cume do Tesouro.

Pico do Tesouro (ao fundo) e Tesourinho, na frente.

Conclusão

Neste breve estudo concluímos que a Serra do Caparaó é um grande maciço montanhoso que apresenta apenas duas montanhas.

Neste ensaio, pudemos ter um exemplo que demonstra como o método do Índice de Dominância é um critério mais justo para a realidade do relevo brasileiro do que o conceito clássico da Geomorfologia, caso contrário, a importante Serra do Caparaó teria apenas uma única montanha, o que não combina muito com os valores culturais e a percepção das pessoas sobre estas formas de relevo.

O Índice de Dominância, mais uma vez, mostra ser o critério técnico científico que melhor representa a definição do que é uma montanha.

Faço um apelo para que o IBGE revise os conceitos do que é uma montanha e atualize a lista das montanhas mais altas do país.

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:: Fotos de montanhas e morro da Serra do Caparaó – Site do Tacio Philip

 

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Sobre o autor

Pedro Hauck natural de Itatiba-SP, desde 2007 vive em Curitiba-PR onde se tornou um ilustre conhecido. É formado em Geografia pela Unesp Rio Claro, possui mestrado em Geografia Física pela UFPR. Atualmente é sócio da Loja AltaMontanha, uma das mais conhecidas lojas especializadas em montanhismo no Brasil. É sócio da Soul Outdoor, agência especializada em ascensão em montanhas, trekking e cursos na área de montanhismo. Ele também é guia de montanha profissional e instrutor de escalada pela AGUIPERJ, única associação de guias de escalada profissional do Brasil. Ao longo de mais de 25 anos dedicados ao montanhismo, já escalou mais 140 montanhas com mais de 4 mil metros, destas, mais da metade com 6 mil metros e um 8 mil do Himalaia. Siga ele no Instagram @pehauck

1 comentário

  1. Adilson Cypriano em

    Ótimo artigo ! Subi todos os morros citados( e outros sem nome), mas sempre me incomodou a pequena diferença entre um e outro. Em tempo, para mim a cereja do bolo do Caparaó é o Pico do Tesouro. Visito ele desde 2015, sendo a ultima vez em Dez/19.

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