Dando sequência à série de artigos revisando a lista das montanhas mais altas do Brasil, desta vez me dedico a elucidar quantas montanhas há na Serra do Mar fluminense. A resposta desta pergunta, que é o objetivo deste artigo, vem a elucidar questões relativas às inconsistências da lista de montanhas do Brasil divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.
Há bastante tempo o IBGE publica em seu Anuário Estatístico Brasileiro, uma lista dos cumes mais altos do Brasil. No entanto, todos sabem que o que faz uma montanha ser uma montanha não é a altitude de seu cume, mas sim sua proeminência e destaque na paisagem. Isso ocorre, pois muitas montanhas grandes têm vários sub cumes muito próximos, muitas vezes conformando “ombreiras” nestas topografias.
Também é comum a existência de morros que se elevam desde grandes planaltos, onde seus cumes atingem grandes altitudes, nestes casos, estas topografias não são montanhas também! Para pode classificar o relevo e enfim sairmos da superficialidade, vamos lançar mão do método científico para distinguir uma montanha de um morro ou um sub cume.
Chamamos de Serra do Mar fluminense o conjunto de montanhas alinhadas que existe entre a Serra da Bocaina, na divisa SP/RJ, a Serra das Araras, Serra dos Órgãos, a região do Parque Estadual dos Três Picos e do Parque do Desengano. Trata-se da porção mais setentrional desta que é a maior cadeias de montanhas do Brasil que se estende do Vale do Itajaí em Santa Catarina até a região de Campos das Goytacazes no Estado do Rio de Janeiro, onde o Rio Paraíba do Sul passa a derivar para Leste onde vem a desaguar no Atlântico. Como a Serra da Bocaina de São Paulo é a Serra do Mar, seu único cume que passa dos 2 mil metros, o Tira Chapéu, será retratado aqui.
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Finalizando esta introdução, o objetivo desta lista é numerar apenas as montanhas mais altas, por isso escolhemos distinguir somente os cumes que sobre passam os 2 mil metros de altitude. Também precisamos destacar que nosso método é matemático e ignora as formas das montanhas. Por isso tanto importa se a o cume em questão é chamado popularmente de “morro”, “monte”, “agulha”, “pico” ou “chapada”. Iremos nos ater apenas no critério técnico.
O que faz uma montanha ser uma montanha?
Uma montanha é mais do que apenas um relevo positivo na paisagem. Montanhas precisam ter proeminência topográfica que a coloque em destaque em relação a outras formas de relevo positivas. Como proeminência, consideramos a diferença de altitude entre um cume e um colo, que é a sela, o elo de ligação que separa aquele cume de outro vizinho.
Na Geomorfologia, só é considerado montanha, cumes que apresentam proeminência topográfica superior a 300 metros. No entanto, este critério geográfico é um tanto quanto injusto para montanhas de menor altitude, onde 300 metros é bastante alto, quanto para montanhas de grandes altitudes, onde 300 metros é pouco. Para resolver este problema, além do critério da proeminência, vou utilizar neste artigo o critério do Índice de Dominância.
O Índice de Dominância calcula o destaque topográfico do cume em questão em relação a seu cume pai, que é o cume mais alto de uma região que serve de referência topográfica. Por conta da maneira como ele é calculado, se obtém uma porcentagem de destaque topográfico e por ser um índice relativo é muito mais justo para todas as regiões montanhosas do mundo, pois não leva em consideração a altitude absoluta. Abaixo deixo o artigo que explica melhor o que é o Índice de Dominância.
:: O que faz uma montanha ser uma montanha? O índice de Dominância – AltaMontanha
Quais cumes são montanhas na Serra do Mar Fluminense?
Pico Maior de Friburgo 2366 metros
O Pico Maior de Friburgo é uma das montanhas mais impressionantes do Brasil. Para começar, ela é a montanha mais alta de toda a Serra do Mar brasileira. Depois, chegar a seu cume não é uma tarefa fácil, pois não dá para chegar lá caminhando, sendo necessário escalar em rocha em vias que sobre passam os 700 metros de altura em escaladas tradicionais de múltiplas enfiadas bastante avançada. Levando em consideração que a montanha pai do Pico Maior é a Pedra da Mina, o “colo” que divide ambas é o rio Paraíba que na altura da cidade de Cruzeiro está numa altitude de 520 metros. Isso confere ao Pico Maior uma proeminência de 1846 metros e dominância de 78,02%.
Pico Médio de Friburgo 2361 metros
São apenas 5 menos a menos que o vizinho Pico Maior, mas são 171 metros de proeminência entrem ambos os cumes, que faz que o colo entre estas montanhas seja um verdadeiro precipício. Este desnível topográfico faria do Médio um sub cume do Maior, o que demonstra que o critério geomorfológico é cruel como montanhas de altitude mais baixa.
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Ainda bem que o Índice de Dominância existe. São 7,24% de dominância, que faz com que o Pico Médio seja uma montanha independente. De fato, culturalmente o Pico Médio é uma montanha importante na região. A trilha até seu cume é um dos principais roteiros do Parque Estadual dos Três Picos.
Estranhamente, na lista das 35 montanhas mais altas do Brasil do IBGE, o Pico Médio figurou por muito tempo, a ponto que o Maior não. Felizmente, ambos tem o direito de figurar na lista. O Conjunto Pico Médio e Pico Maior conforma uma das mais belas paisagens montanhosas do Brasil.
Pedra do Sino 2275 metros
Ponto mais alto da Serra dos Órgãos, a Pedra do Sino é sem dúvida um clássico brasileiro. O colo entre ela e o Pico Maior é a cidade de Teresópolis, na altitude de 920 metros. Isso confere uma proeminência de 1355 metros e dominância de 59,56%. A região é cortada por diversos lineamentos estruturais que produziram forte dissecação da paisagem planáltica formando as famosas “agulhas” que motivaram o batismo da serra como “dos órgãos”, pois tais montanhas afiadas se parecem com os tubos dos órgãos de igrejas.
Mesmo que não seja o objetivo deste artigo, muitas destas agulhas são montanhas independentes, pois seus colos conformam verdadeiros canyons e de tão profundos dão proeminência suficiente para que sejam consideradas montanhas. No entanto, estas agulhas, que são das mais impressionantes e belas montanhas brasileiras fogem do escopo deste artigo por terem cumes abaixo dos 2 mil metros. Abaixo tenho a foto da Pedra Sino e seu sub cume Pico do Garrafão.
Morro da Luva 2263 metros
Localizado no meio da Serra dos Órgãos, a Luva é separada da Pedra do Sino por um colo a 1993 metros de altitude, dando uma proeminência de 270 metros. Seria insuficiente para ser considerada montanha pela regra da Geomorfologia, mas como apresenta uma dominância de 12,14%, neste critério sim é uma montanha.
Morro do Açu 2216 metros
O Morro do Açu marca o começo do planalto da Serra dos Órgãos para quem a percorre vindo de Petrópolis. O colo entre ela e a Luva é alto, localizado a 2026 metros, o que dá uma proeminência de apenas 190 metros. Porém, a dominância confere ao Açu o destaque de uma montanha com 8,57%. Sino, Luva e Açu são as três montanhas com mais de 2 mil metros da Serra dos Órgãos.
Pico do Capacete 2200 metros
O colo entre o Capacete e o Pico Maior é bastante conhecido pelos escaladores que praticam o que chamamos de escalada tradicional e quem escalar por lá sabe que ele está localizado na cota dos 2018 metros. Isso dá ao Capacete uma proeminência de 182 metros, mas dominância de 8,27%. Agradeça a método por isso, pois se fosse pela geomorfologia, o conjunto dos Três Picos seria uma montanha e 2 morros!
Cabeça do Dragão 2082 metros
Montanha de dificuldade baixa que permite uma visão privilegiada para o conjunto dos Três Picos, a Cabeça do Dragão é separada por um colo de 1726 metros, conferindo uma proeminência de 356 metros e dominância de 17%, uma montanha clássica da região e não é por menos!
Toledo 2107 metros
A nordeste da Cabeça do Dragão há dois outros cumes. O primeiro, Pedra da Norma, de 2050 metros e atrás dela o Toledo de 2107 ao qual a Norma faz parte como sendo um sub cume. O colo entre o Toledo e a Cabeça de Dragão está na altitude de 1806 metros, dando e ele uma proeminência de 301 metros e dominância de 14,28%. Um belo destaque para uma montanha raramente frequentada.
CEB83 2012 metros
Trata-se de uma montanha menos conhecida atrás da Cabeça do Dragão. Seu acesso se faz desde o bairro de Vieira, por isso não é muito lembrada na região dos Três Picos. O colo entre ela e o Dragão está a 1766 metros, o que lhe confere uma proeminência de 246 metros, mas dominância de 12,22%.
Pico dos Três Municípios 2085 metros
Se na Serra Fina há o Pico dos Três Estados, nos Três Picos há o Pico dos Três Municípios, que faz a divisa entre Nova Friburgo, Teresópolis e Cachoeira de Macacu. O colo entre os Três Municípios e o Pico Maior está a 2085 metros, representando um desnível de 189 metros e dominância de 9,06%.
Pico Maior do Vale dos Frades 2053 metros
Esta montanha é separada do Pico dos Três Municípios por um colo a 1867 metros. São 186 metros de proeminência, mas 9,05% de dominância.
Pedra das Duas Serpentes 2043 metros
Com a altitude de 2043 metros certificado pelo SRTM, a Pedra das Duas Serpentes é separada do CEB83 por um colo situado a 1903 metros. São 153 metros de proeminência e 7,48% de dominância. Esta montanha se conecta com o maciço das Torres de Bonsucesso, mas tem um cume mais alto que eles o que infelizmente retira o título de montanha para elas.
Branca de Neve 2024
Esta montanha mais afastada do Vale dos Frades em Teresópolis é ligada ao Pico Maior do Vale dos Frades por um colo a 1755 metros de altitude. São 269 metros de proeminência topográfica e 13,29% de dominância.
Seio da Mulher de Pedra 2048 metros
Outra montanha rochosa belíssima da região dos Três Picos, uma montanha rochosa de grande beleza cênica. Esta bela montanha tem uma proeminência de 643 metros e 31,39% de dominância. Haja sutiã hein!
Pico da Caledônia 2257 metros
A Caledônia é um impressionante maciços muito próximo à cidade de Nova Friburgo. Por estar distante do Pico Maior e ser separado por um planalto, ela possui uma proeminência de 1135 metros e dominância de 50,28%. Uma montanha sem sombra de dúvidas!
Morro Tira Chapéu 2088
O Tira Chapéu está em São Paulo e é o ponto culminante da Serra da Bocaina que faz parte da Serra do Mar. A região onde o Tira Chapéu se localiza é um planalto bastante alto que por isso é recoberto com vegetação campestre.
A gênese do relevo da Serra da Bocaina é bastante complexa e envolve a atuação de paleosuperfícies de erosão e exatamente por conta da longa história erosiva onde ocorreu eventos erosivos que aplainaram a paisagem no passado (sucessivas vezes) ao mesmo tempo em que houve movimentos epirogenéticos que elevaram a região a grandes altitudes, reafeiçoando o relevo e dando origem ao que ele é hoje. Um grande planalto com topo irregular levemente ondulado o qual o Tira Chapéu é o ponto mais elevado.
Este é o motivo para o qual o Tira Chapéu, mesmo sendo um morro, está incluído nesta lista, pois ele sua presença representa o Maciço da Bocaina como um todo, o que justifica sua proeminência de 1688 metros, uma vez que o colo entre a Bocaina e a Serra das Araras está localizado muito baixo, a 400 metros de altitude próximo à represa do Rio Bonito. Isso faz com que o Tira Chapéu tenha uma dominância de 80,84%.
Não são montanhas na Serra do Mar Fluminense
Infelizmente pelos critérios que abordamos, várias cumes famosos não atendem aos requisitos para serem classificadas como montanhas, sendo caracterizadas então como morros. São elas: Pedra do Balão (2042m), Morro da Bandeira (2045m), Morro do Marco (2160m), Castelitos (2240m), Morro Cubaio (2220), Morro do Mamute (2026m), Morro do Pipoca (2225m), Pedra São Pedro (2177m), Campo das Antas (2100m), Pedra do Papudo (2219m). Todas estas localizadas na Serra dos Órgãos, que por ser um planalto em grande altitude, apresenta vários ressaltos com colos altos e insuficiente para que estes cumes sejam montanhas.
Por sua vez, diversos cumes da região dos Três Picos também não tem proeminência e nem dominância para serem montanhas independentes. São elas: 20 de Abril (2015m), Pedra da Norma (2050m), Torres do Bonsucesso (2000m), Pedra Panorama à Bessa (2021m).
O caso Agulha do Diabo
Por conta de sua forma extremamente escarpada e a dificuldade técnica de chegar ao cume. Não há medição por GPS de alta precisão em seu cume. A altitude oficial da Agulha do Diabo é de 2050 metros, porém o GPS de uso civil marca geralmente acima de 2080.
Pela carta topográfica, ocorre a generalização das curvas de nível por causa da alta inclinação e não há ponto cotado no colo. O SRTM, por conta de sua resolução, não produz dado altimétrico de forma que temos que contar com os dados de GPS de navegação que marca 2088 metros de cume e 1941 metros de colo. Fazendo as contas são 147 metros de proeminência e 7,04% de dominância.
Se estes dados estiverem corretos (acredito que há sim um erro, porém não suficiente para alterar o resultado), a Agulha do Diabo é uma montanha independente, o que demonstra que o Índice de Dominância é o critério objetivo e matemático que mais aproxima de nossa percepção subjetiva sobre o sentimento do que é ou não montanha. Basta observar a foto da Agulha, não como não falar que não é montanha.
Conclusões:
Esta revisão nos revelou vários dados importantes sobre a porção mais elevada da Serra do Mar, que é a mais extensa cadeias de montanhas do Brasil. Primeiramente demonstra o papel de destaque das montanhas do Parque Estadual dos Três Picos, Unidade de Conservação sob administração do INEA que abrange um número considerável de montanhas com mais de 2 mil metros de altitude que além de significância ainda tem apresentam uma beleza cênica de tirar o fôlego!
Outra coisa que os números demonstram é que proeminência importa mais do que altitude. No Parque Nacional da Serra dos Órgãos temos um relevo planáltico do qual se sobressai inúmeros cumes com mais de 2 mil metros. Porém apenas 3 são montanhas! Isso acontece pois o relevo no topo da serra é suave ondulado e por isso não há vales profundos para que estes cumes tenham destaque na paisagem, sendo que quase a totalidade deles são morros.
Comparativamente, no maciço dos Três Picos o relevo é muito mais dissecado, formando grandes gargantas entre os cumes fazendo com que qualquer leigo considere o Pico Maior, Médio e Capacete montanhas! Bastaria olhar!
Por outro lado, mais uma vez, podemos concluir que o Índice de Dominância é sem sombra de dúvidas o mais justo e melhor conceito para definição de uma montanha. A Dominância reflete em número e dentro de um método científico aquilo que nossos olhos veem. No critério de proeminência, tanto Pico Médio quanto Capacete deixariam de ser considerado montanhas, o que destoa completamente da significância e destaque que elas apresentam na paisagem!
Antes que argumentem que a Dominância não salvou as Torres do Bonsucesso, é preciso explicar que isso se deve ao fato de que a Pedra das Duas Serpentes faz parte do mesmo conjunto, ou seja, as torres e as Duas Serpentes são um maciço só.
Por fim, venho a concluir este artigo fazendo um apelo ao IBGE que passe a utilizar o conceito de Índice de Dominância na classificação das montanhas brasileiras, corrigindo este erro histórico de considerar como montanhas morros, ombreiras e sub cumes.
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1 comentário
Só acho que esqueceu de citar o maior monólito da serra do mar Fluminense, 2° do Brasil, com mais de 1 km de extensão vertical.
A pedra da Maria Comprida com seus 1926 metros de altitude.
Com certeza é uma montanha, só não sei sua proeminência e dominância.